Foram levantadas dúvidas sobre a capacidade da entrega dos grãos por empresas que venceram o certame
O presidente da Conab, Edegar Pretto, anunciou o cancelamento do leilão do arroz (Foto/Manuel Marçal/O Tempo)
BRASÍLIA - O governo federal informou, nesta terça-feira (11), o cancelamento do leilão de importação de 263,37 mil toneladas de arroz, realizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) na última quinta-feira (6). Ainda não há data para realização do novo certame.
A decisão foi tomada após questionamentos públicos sobre a capacidade, a qualificação e a conduta ilibada das empresas vencedoras do leilão. As quatro companhias arrematadoras dos lotes são desconhecidas no setor de grãos e três delas não têm atuação comprovada com a operação de importação e distribuição de grãos.
Uma fabricante de sorvetes, uma mercearia de bairro especializada em queijo e uma locadora de veículos estão entre as vencedoras da disputa pública promovida pelo governo. Das quatro empresas, só a Zafira Trading atua no ramo. Ela trabalha no comércio exterior desde 2010 e ganhou o direito de vender 73,8 mil toneladas de arroz, por R$ 368,9 milhões — 28% do total comprado no leilão.
O cancelamento do leilão foi anunciado pelo presidente da Conab, Edegar Pretto, durante entrevista coletiva no Palácio do Planalto ao lado dos ministros Carlos Fávaro (Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar do Brasil).
“Não tem como a gente depositar esse dinheiro público sem ter as reais garantias de que esse leilão, esses contratos posteriores, serão honrados. É por esse motivo, sem gastar até aqui um centavo do dinheiro público, com todo zelo que temos que ter, são princípios inegociáveis com clareza jurídica, com a certeza da capacidade dessas empresas de honrarem com seus compromissos, que a decisão é anular esse leilão e proceder um novo”, disse Pretto.
Segundo o presidente da Conab, a realização do certame é algo “muito complexo” e, apenas após a finalização do leilão da empresa pública em bolsas de mercadorias credenciadas é possível ter um conhecimento sobre as empresas vencedoras. “A decisão é anular este leilão e proceder um novo, mais ajustado, vendo todos os mecanismos possíveis pra gente contratar empresas com capacidade de entregar arroz com qualidade a preço barato para os consumidores”.
Ainda de acordo com Pretto, para realização de outra compra pública serão estabelecidos novos mecanismos com apoio da Advocacia Geral da União (AGU) e da Controladoria Geral da União (CGU). “Nós pretendemos fazer um novo leilão, quem sabe em outros modelos para que a gente possa ter as garantias de que nós vamos contratar empresas que tenham capacidade técnica e financeira”, declarou.
A Conab realizou o pregão para comprar arroz importado e beneficiado na última quinta-feira (6). A medida, segundo o governo federal, visava garantir o abastecimento e o equilíbrio de preço justo no mercado interno, diante da tragédia climática no Rio Grande do Sul, maior produtor do grão no país.
A Conab adquiriu 263,37 mil toneladas de arroz por meio do certame. Os lotes arrematados pela companhia tiveram preço mínimo de R$ 4,9899 por quilo e máximo de R$ 5 por quilo, com média de R$ 4,9982 por quilo. A operação custou R$ 1,316 bilhão ao Executivo.
O arroz seria distribuído em regiões metropolitanas de 21 Estados e do Distrito Federal com preço tabelado de R$ 20 por pacote de 5kg e logomarca do governo federal na embalagem.
Demissão de secretário
Fávaro também anunciou nesta terça-feira que recebeu e aceitou o pedido de demissão do secretário de Política Agrícola, Neri Geller.
“Hoje pela manhã, o secretário Neri Geller me comunicou, fez ponderação, [que] quando filho dele estabeleceu sociedade com esta corretora do Mato Grosso, ele não era secretário de Política Agrícola. Não há fato que desabone ou que gere qualquer tipo de suspeita, mas que de fato gerou transtorno, e por isso colocou cargo à disposição”, disse o ministro da Agricultura.
Reportagem do programa Globo Rural, da TV Globo, mostrou que a Bolsa de Mercadorias de Mato Grosso (BMT) e a Foco Corretora de Grãos, criadas no ano passado por Robson Luiz de Almeida França, ex-assessor do então deputado federal Neri Geller, intermediaram a venda de 44% do arroz importado vendido no leilão da Conab.
Neri Geller também acabou responsabilizado pelos problemas do leilão porque o diretor de Abastecimento da Conab, Thiago dos Santos, responsável pelo certame, era sua indicação direta.
Geller foi candidato ao Senado em 2022, mas teve a candidatura barrada pela Justiça Eleitoral após ser cassado por suposto abuso de poder econômico. Em dezembro de 2023, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reverteu a cassação e devolveu os direitos políticos de Geller, que só então pode integrar o governo Lula.
Régua mais alta e transparência
Ainda na coletiva de imprensa desta terça-feira, o presidente da Conab e os ministros garantiram que a "régua" do próximo certamente será mais alta e transparente.
“O entendimento do governo é que no conjunto das empresas uma maioria tem fragilidade, sendo que tem empresas que são consistentes, que inclusive entendem que essa anulação é necessária e vão participar de novo desse leilão quando ele acontecer novamente. E, por isso, as medidas de modernização serão adotadas”, disse Fávaro. (Com Manuel Marçal)
Fonte: O Tempo