O número é 71% maior em relação ao mesmo período de 2023, quando foram registradas 593 recuperações
No passado, empresas como Americanas, Polishop, 123milhas e o grupo Coteminas fizeram “nome” no mercado através do êxito de seus produtos e serviços. Porém, ultimamente, esses negócios têm ganhado mais visibilidade por causa do processo de recuperação judicial pelo qual estão passando. E elas não andam só. De acordo com dados da Serasa Experian, o Brasil registrou 1.014 pedidos de recuperação judicial entre janeiro e junho de 2024. O número é 71% maior em relação ao mesmo período de 2023, quando foram registradas 593 recuperações e também o maior da última década.
Diferentemente da falência, situação em que a empresa "fecha as portas" definitivamente, a recuperação judicial é uma tentativa de renegociar as dívidas e continuar operando no mercado.
Para Max Mustrangi, sócio fundador da Excellance, empresa que atua com reestruturação de empresas, um dos fatores que mais contribuem para o cenário é a perda de rentabilidade dos negócios ao longo dos anos - seja por estratégias comerciais equivocadas ou obsolescência de seus produtos e serviços.
“Falhas na gestão também são cruciais. Alguns gestores falham do ponto de vista técnico, tomando más decisões, mas também há questões éticas e de fraude envolvidas, como foi o caso das Americanas. Também há um mau uso do recurso da recuperação judicial. Muitas empresas só procuram quando a situação está muito crítica, o que complica ainda mais a situação daquele negócio”, analisa.
No final de julho, a Americanas concluiu o pagamento aos credores financeiros que optaram pela Opção de Reestruturação II da recuperação judicial da varejista. A empresa está em recuperação judicial desde janeiro de 2023, após sua fraude contábil vir à tona, revelando mais de R$ 40 bilhões em dívidas.
Do lado “de fora” das empresas, o especialista afirma que a alta taxa de empregos informais e a perda de poder do consumo também podem pesar negativamente para as empresas. “Muitos trabalhadores não têm carteira assinada e sobrevivem do famoso ‘bico’. Com baixo poder de compra, as empresas acabam vendendo um mix de itens de menor valor e isso acaba prejudicando o cenário geral”.
Mustrangi aponta ainda que a falta do emprego formal e a inflação também acarretam a inadimplência da população. “As pessoas estão preocupadas em pagar dívidas antigas, o que abaixa o nível de consumo. Com muitos devedores, o mercado financeiro de crédito retrai e o governo arrecada menos, comprometendo a inflação”, afirma.
Apesar do número de devedores ainda ser alto no país, a inadimplência no Brasil registrou queda em junho pelo segundo mês consecutivo, segundo a Serasa Experian. A desaceleração é de -1,25% nos últimos 60 dias, correspondendo a uma diminuição de 918 mil no número de consumidores inadimplentes. Ao todo, são 72,50 milhões de brasileiros em situação de inadimplência – contra os 72,54 milhões de maio.
Já entre as empresas, a instituição aponta que o país registrou 6,9 milhões de CNPJs com débitos em maio deste ano. “A menos que haja uma reversão nessa tendência, os requerimentos de recuperação judicial tendem a se elevar ainda mais”, aponta o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi.
Pequenos sofrem mais
Os nomes de grandes empresas chamam a atenção, mas o levantamento da Serasa Experian revela que as micro e pequenas empresas são as mais afetadas quando o assunto é recuperação judicial - foram 713 no primeiro semestre deste ano. Já as médias foram responsáveis por 207 pedidos de recuperação judicial, enquanto 97 grandes empresas entraram com o pedido entre janeiro e junho.
Mustrangi aponta que muitos dos micros e pequenos empresários são “assalariados que perderam emprego’’ e abrem uma empresa sem muita preparação para tentar sobreviver no mercado de trabalho. “Eles são mais vulneráveis. Geralmente não têm alguém que faça uma boa contabilidade e enfrentam mais dificuldade com financiamentos.”
Já o segmento de serviços foi o que mais registrou pedidos de recuperação judicial no primeiro semestre, com 422 empresas. Em seguida aparece o setor do comércio, com 277 empresas, e o setor da indústria, com 161 empresas.
“O setor de serviços concentra muitos MEIs, que são justamente aquelas pessoas que ‘inventaram’ algo para sobreviver e não têm muita estrutura. Além disso, o mercado brasileiro é pobre e não consegue pagar muito por serviços - o que acaba desaquecendo o mercado”, diz.
Mineiros na berlinda
Em Minas Gerais, diversas empresas de grande porte estão envolvidas em processos de recuperação judicial. Em julho do ano passado, a Samarco, mineradora controlada pela Vale e pela BHP, entregou à Justiça o plano de recuperação judicial, fruto do acordo fechado com os acionistas e parte dos credores financeiros. O plano prevê que a companhia emitirá títulos de dívida para pagar os credores financeiros, e que os acionistas financiarão os gastos da companhia com a reparação pelo desastre de Mariana (MG), que matou 18 pessoas.
Pelo plano, a Samarco emitirá até US$ 3,566 bilhões (o equivalente a R$ 16,9 bilhões) em novas notas com vencimento em 2031, e utilizará os recursos levantados para pagar os credores que optaram por receber as notas em troca do cancelamento dos créditos que possuem atualmente.
Recentemente, a Justiça autorizou também o processo de recuperação judicial das 10 empresas que integram o Grupo Coteminas. O valor da dívida é de R$ 2 bilhões. São cerca de 9.800 credores, entre eles trabalhadores da empresa.
Já no dia 17 de julho, quase um ano após o início da sua crise, a 123milhas também teve o seu cronograma de ações definido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Foi definido o prazo de um mês para que a empresa apresentasse os nomes dos consumidores lesados e os valores a receber - lista que deverá conter cerca de 700 mil nomes.
“Não me surpreende que o 123milhas seja o maior negócio com número de credores, pois trabalha no setor de turismo e o grande volume de clientes é uma das premissas do segmento. O que me chama a atenção é: com tantos consumidores, para onde foi parar o dinheiro?”, questiona.
Ele também aponta que diversos negócios, apesar de grandes, erram na gestão e acabam parando na fila da recuperação judicial. “Em um cenário econômico favorável e com juros baixos é fácil se dar bem quando o dinheiro está entrando. Porém, quando o cenário geral piora nós descobrimos que ela errou em vários pontos e as falhas começam a aparecer. É como se a água do rio baixasse e descobríssemos que aquela empresa estava nua.”
Fonte: O Tempo