O Carrefour Brasil afirmou não ter informações sobre a carta de desculpas do executivo (Foto/Nelson Almeida/AFP)
O anúncio feito pelo CEO mundial do Carrefour, Alexandre Bompard, de que a rede francesa deixaria de comprar carne do Mercosul, trouxe desdobramentos significativos tanto no Brasil quanto no cenário internacional. Em comunicado publicado nas redes sociais, Bompard justificou a decisão com o "risco de inundar o mercado francês com uma produção de carne que não respeita suas exigências e normas". A declaração repercutiu de maneira negativa entre produtores brasileiros e o governo federal.
A resposta não tardou: frigoríficos brasileiros iniciaram um boicote ao Carrefour, suspendendo o fornecimento de carne às unidades da rede no Brasil. Até agora, 23 frigoríficos, incluindo gigantes como JBS, Marfrig e Masterboi, aderiram ao movimento, que já afeta mais de 150 lojas no país. Consumidores em São Paulo relatam escassez de produtos nas prateleiras.
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), manifestou apoio ao boicote e criticou a posição do Carrefour, que, segundo ele, se alinha aos protestos de agricultores franceses contra o acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia. A embaixada brasileira em Paris reforçou a crítica, afirmando que o comunicado de Bompard dissemina desinformação sobre os produtos brasileiros.
Tensão diplomática e negociações em andamento
Diante da escalada da crise, o embaixador francês no Brasil, Emmanuel Lenain, intercedeu pessoalmente junto ao Ministério da Agricultura na tentativa de mitigar os impactos. Fontes indicam que uma retratação pública de Bompard está sendo preparada, embora o Carrefour Brasil alegue não ter sido informado oficialmente sobre o teor ou a existência do documento.
A filial brasileira, segunda maior operação do grupo no mundo, afirmou em nota que foi "surpreendida" pelas declarações do CEO e lamentou os prejuízos à relação com o agronegócio nacional. O Carrefour Brasil opera sob três marcas — Carrefour, Sam’s Club e Atacadão — e possui 1.041 lojas no país, com uma receita consolidada de R$ 28,3 bilhões no terceiro trimestre de 2024.
Impacto econômico e cenário internacional
Apesar da disputa, especialistas avaliam que o impacto econômico direto da medida seja limitado. A França representa apenas 0,02% das exportações brasileiras de carne bovina, tendo comprado 314 toneladas entre janeiro e outubro deste ano. Em contrapartida, a China é o principal destino, responsável por quase 50% das exportações, com 1 milhão de toneladas adquiridas no mesmo período.
Ainda assim, a decisão do Carrefour alimenta a resistência francesa ao acordo Mercosul-União Europeia. A França, que consome 6,5 milhões de toneladas de carne bovina por ano, importa apenas 5% do total, enquanto o Mercosul contribui com uma parcela ínfima do mercado europeu.
Repercussões futuras
O episódio levanta questões sobre o impacto de decisões corporativas em negociações comerciais e relações diplomáticas. Analistas destacam que, além da retaliação no fornecimento, a crise pode influenciar o debate sobre sustentabilidade e padrões de produção no agronegócio brasileiro.
Enquanto isso, acionistas do Carrefour no Brasil pressionam por uma solução. A crise também evidencia a interdependência entre mercados globais e o desafio de equilibrar interesses comerciais, ambientais e políticos.