Os preços da carne bovina estão batendo recordes, subindo quase 9% desde janeiro, de acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA (Foto/JOE RAEDLE / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP)
“A gente teme, sim, pelo futuro, não vou dizer para você que não, porque é uma situação complicada. Eu tenho dois filhos, família para sustentar, então não é uma situação que você fica tranquilo, porque tem uma incerteza do futuro diante de um presidente polêmico”. A preocupação é do brasileiro Gustavo Guimarães, de 41 anos, morador de Cedar Grove, em Nova Jersey. Há 19 anos nos Estados Unidos, ele integra uma comunidade de mais de 2 milhões de brasileiros na ‘Terra do Tio Sam’ e acompanha com apreensão os desdobramentos do tarifaço ordenado por Donald Trump.
O Brasil, por ora, terá a maior taxa, de 50%, dentre os mais de 65 países que serão submetidos às tarifas que entrarão em vigor a partir da próxima quinta-feira. A política começará a valer sob a promessa de fomentar uma nova industrialização no país, atraindo novos negócios e intensificando a geração de empregos. Porém, até que haja uma materialização dos objetivos de Trump, o tarifaço deixa um rastro de preocupação e apreensão aos brasileiros que vivem no território norte-americano para além do estremecimento nas relações diplomáticas entre os dois países.
“Na minha visão, o tarifaço tende a trazer mais prejuízos do que benefícios, especialmente para famílias de imigrantes e pequenos empreendedores. Embora o objetivo possa ser proteger a indústria americana, o efeito imediato tem sido o aumento de preços e a pressão sobre o custo de vida , algo que afeta diretamente a população em geral. Tenho notado um aumento significativo nos custos do dia a dia, especialmente em itens importados como alimentos e eletrônicos”, elenca a advogada de imigração e CEO da VisaLex, Luciane Tavares, de 43 anos, que há 25 vive nos EUA, em Orlando.
Tavares, inclusive, acredita que a política econômica da Casa Branca vai gerar impactos diretos sobre estrangeiros que moram no país. “Vejo diariamente o impacto que essas políticas têm sobre a comunidade imigrante, tanto no aspecto financeiro quanto emocional. A instabilidade política e econômica aumenta a insegurança de quem está construindo uma vida aqui, especialmente para quem depende de estabilidade para manter negócios ou garantir o bem-estar da família”, complementa ela.
O abalo à estabilidade citado por Luciana se dá pelo risco inflacionário do tarifaço. Na última semana, inclusive, o Federal Reserve (Fed), autoridade monetária no país, manteve os juros no país na faixa entre 4 25% e 4,50%, contrariando a Casa Branca que desejava um recuo no índice. Ao manter o juros, o Fed lembrou os resultados da inflação, atualmente em 2,7%, acima da meta estabelecida, e ressaltou que há uma incerteza elevada com os efeitos do tarifaço na economia norte-americana.
Todavia, em meio à preocupação da autoridade monetária, os brasileiros que vivem nos Estados Unidos relatam já sentir, no bolso, os impactos do protecionismo de Trump. As queixas se estendem à elevação no preço de diversos produtos. A mais latente se dá sobre a carne, insumo que segundo o Departamento de Agricultura dos EUA encareceu mais de 9% desde janeiro ainda sem a interferência do cerco comercial da Casa Branca.
“As tarifas já impactaram diretamente a minha vida, seja no cotidiano como o preço da carne, que tem subido cada dia mais, ou até mesmo em outras questões como no setor de tecnologia em que trabalho. Estou precisando comprar uns equipamentos que estão indisponíveis sem prazo para reposição de estoque”, atesta Giancarlo Almeida, de 35 anos, também morador de Nova Jersey, há oito anos, que calcula um encarecimento de 15% para compra de carnes.
Almeida, que é fotógrafo profissional, também trabalha para uma provedora de serviços de telefonia e internet. “Estou tentando atualizar meus equipamentos fotográficos, preciso de um drone para uma demanda específica e já não se pode encontrar em lugar nenhum , o que é algo que me surpreende, pois os EUA sempre foram um mercado de referência em produtos de tecnologia”, completa ele.
Impactos ainda virão
O especialista e sócio na Blue3 Investimentos Caique Stein Laguna explica que os impactos diretos do tarifaço ainda são pouco perceptíveis na economia norte-americana.
Laguna, inclusive, atrelou este cenário à opção do Fed em não promover cortes na taxa de juros. “O Fed tem sido conservador nesse momento em relação a essas tarifas, porque qualquer impacto negativo na inflação, havendo um corte de juros um pouco mais cedo, pode acabar gerando uma margem negativa e o Fed ter que manter ou subir novamente os juros”, salienta.
Coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec, Adriano Gianturco reforça que medidas protecionistas, como as implementadas por Trump, geram mais inflação, menos variedade de produtos e menos concorrência no mercado. “Do ponto de vista econômico, não há pontos positivos no protecionismo”, cita ele, que aposta em uma queda no Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano como reflexo das ações do governo norte-americano.
Haverá impactos, garante, sobre a renda da população. “É uma grande aposta de reposicionamento internacional, geopolítico. Se conseguir nessa grande aposta que vários países se redirecionem em direção aos Estados Unidos para aumentar relações econômicas, militares, comerciais, políticas, os Estados Unidos vão se beneficiar. Uma das ideias é enfraquecer a China e todos os países que se alinharam à China nos últimos anos”, acrescenta Gianturco.
E o futuro?
Com a incerteza, Giancarlo Almeida diz que a realidade do ‘sonho americano’ se agrava. “Na verdade é ter dois ou três empregos”, conta ele que descarta, por ora, retornar ao Brasil. “Na minha opinião, o tarifaço é uma política falha que não atende as necessidades da população norte americana, cria tensão nas relações diplomáticas e já está trazendo prejuízos para a economia, elevando o custo de vida, diminuindo o fluxo de pessoas nos comércios”, arremata.
Fonte/O Tempo