O Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência na Escola é 7 de abril (Foto/Maria Symchych-Navrotska/iStockphoto)
Duas semanas após denunciar que a filha de 8 anos, que tem Transtorno do Espectro Autista (TEA) e sensibilidade auditiva, era vítima de bullying, em uma escola municipal de Belo Horizonte, uma jornalista de 36 anos – que pediu para ter o nome preservado – ainda chora ao falar sobre o caso.
“Toda essa situação está me massacrando. Estou tendo que entrar na escola com ela todos os dias, o que não era necessário antes. Ela criou uma resistência”, lamenta, sem entrar em detalhes. A mãe contou, na época em que o caso ganhou o noticiário, que a filha era xingada de “autista doente” e “quatro olhos” por outras crianças do colégio. Os episódios de violência aconteciam desde o início do ano, e, segundo a mulher, ao procurar a escola, ouviu como resposta que tudo era “brincadeira de criança”.
Cerca de duas semanas antes, a família de um aluno de 9 anos de um colégio particular da região Centro-Sul da capital chegou a registrar um boletim de ocorrência, afirmando que ele foi agredido por alunos com chutes nas partes íntimas, o que o levou a ter problemas de saúde.
As duas ocorrências de intimidação e violência, em um curto período, chamam a atenção para o bullying, que afeta quatro de cada dez instituições de ensino do Brasil, segundo o 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, mais recente estudo realizado sobre o tema pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O levantamento, feito com 74 mil diretores de colégios que participaram do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), em 2021, em todo o país, divulgado em 2023, mostra que 37,6% das escolas brasileiras já registraram ao menos uma situação de bullying. A mesma pesquisa aponta que 2.158 colégios em Minas Gerais registraram casos de bullying. O Estado é o segundo do país com mais instituições em que o problema ocorreu, atrás apenas de São Paulo (5.257).
Professora de psicologia da educação da Universidade Federal do Ceará, Jakeline Alencar Andrade, que é pós-doutora em educação e especialista em indisciplina na escola, afirma que o bullying é recorrente em instituições de ensino porque, nesses locais, as agressões vêm acompanhadas, muitas vezes, de um pensamento limitante de que são apenas “brincadeira de criança”. Ela explica que isso mascara a gravidade e a violência dos atos, provocando a recorrência deles.
“Muitas vezes, os próprios professores não estão preparados para lidar com essas relações. Isso faz com que crianças sofram efeitos psicológicos. Precisamos que o bullying seja tratado, dentro da educação, com tolerância zero, no sentido de que não é uma brincadeira”, adverte Jakeline.
Perfil. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2019, do IBGE, geralmente os agressores são meninos e frequentam colégio particular. Já as vítimas são meninas estudantes de escola pública. Jakeline acrescenta que uma característica comum às crianças agressoras é que elas, na maioria das vezes, estão inseridas em círculos familiares violentos. “A escola, geralmente, é um reflexo do que acontece fora dela”, completa.
Para Marcella Furtado de Magalhães Gomes, professora da UFMG e especialista em avaliação de aprendizagem, a prevenção ao bullying deve envolver família e instituições de ensino com a abertura de espaços de conversa sobre as diferenças. “Pais e escolas devem conversar com as crianças, ensinar a comunicação não violenta, estimular a compreensão das diferenças, a solução pacífica de conflitos. Tudo isso são formas de evitar a prática do bullying”, explica.
Órgãos responsáveis acompanham casos
O Colégio Santo Agostinho, onde um menino de 9 anos foi agredido por outros estudantes, informou que a situação é acompanhada pelos órgãos competentes e que todas as informações solicitadas foram fornecidas para apuração do caso. A instituição reiterou que medidas disciplinares foram tomadas, conforme o Regimento Interno Escolar.
“Os estudantes da turma envolvida seguem acompanhados por uma equipe de profissionais especializados, envolvendo psicopedagogos e educadores, com o objetivo de acolher, formar e dialogar para evitar novos conflitos. Ações continuam em andamento com as crianças do colégio, por meio dos protocolos e iniciativas do Programa de Convivência Ética”, afirmou a escola em nota. “O colégio reforça que as diretrizes que conduzem as ações não são aquelas que criminalizam, mas as que buscam educar e promover o crescimento das pessoas”, concluiu.
Já sobre o caso da menina de 8 anos agredida verbalmente em uma escola municipal, a prefeitura afirmou que não houve registro oficial do caso de bullying denunciado pela mãe da criança e que a aluna é acompanhada por um auxiliar de apoio compartilhado.
Procurada, a Polícia Civil informou que não tem atribuição para atuar nos dois casos, pois eles envolvem crianças de “apenas 8 e 9 anos”, e que os responsáveis foram orientados a acionar Conselho Tutelar, Ministério Público e Defensoria Pública “para intervenção na seara cível ou administrativa, no que couber”.
Cyberbullying está presente
Apesar de a maioria dos casos de bullying nas escolas ser presencial, o registro de cyberbullying, feito no ambiente virtual, também acontece. Danilo Suassuna, doutor em psicologia e diretor do Instituto Suassuna, ressalta que é muito comum que os dois tipos de agressão andem juntos.
“O cyberbullying é amplificado pelo anonimato e pela ausência de barreiras físicas, o que facilita o comportamento agressivo. No virtual, os jovens encontram ambientes propícios para realizar ataques que, no mundo físico, seriam mais facilmente identificados e punidos”, disse.
Outro lado
Prefeitura de BH. A PBH informou que desenvolve projetos pedagógicos, abordagem preventiva e combate ao bullying em toda a rede, inclusive com apoio da Guarda Municipal, que atua com a Patrulha Escolar em palestras.
Estado. A Secretaria de Estado de Educação declarou que desenvolve ações de combate à violência em todas as unidades públicas de ensino estaduais. Entre elas, citou a normatização do tratamento dado a casos de bullying em 2021; a implementação, no ano seguinte, dos Núcleos de Acolhimento Educacional, compostos por psicólogos e assistentes sociais; e o lançamento, no início de outubro, do Com Viver, projeto que qualifica professores e servidores para a prevenção de atos de violência no ambiente escolar.
Fonte: O Tempo