Renda média dos brasileiros calculada pelo IBGE é de R$ 3.137, menos da metade do valor considerado necessário para suprir demandas essenciais
Preço dos alimentos no Brasil chegou a superar a inflação. (Foto/O Tempo/Alex de Jesus)
No Brasil, menos de 10% da população conta com uma renda considerada ideal para suprir todas as necessidades básicas, como alimentação, habitação e saúde. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) calcula que, com base no preço da cesta básica, a remuneração necessária deveria ser de R$ 6.769,87, em comparação com os R$ 1.412 pagos atualmente, para o sustento de uma família de dois adultos e duas crianças.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) indicam, no entanto, que esse valor, além de ser acessível a menos de 10% da população, representa menos da metade da renda média dos brasileiros, calculada no estudo em R$ 3.137. No país, a chamada cesta básica, em outubro, teve o preço médio de R$ 675,47. Esse valor corresponde a mais da metade do salário mínimo e, ainda assim, não garante a compra de todos os insumos necessários para o mês.
A cesta básica é composta por leite, feijão, arroz, farinha, batata inglesa, tomate, pão francês, café moído, banana, açúcar, óleo e manteiga. A lista não inclui uma variedade de vegetais, nem itens fora da alimentação, como sabonete, papel higiênico e produtos de limpeza. Nos últimos anos, houve um aumento no preço desses produtos, acima da inflação, devido a questões como clima e cenário internacional.
“A conta não fecha, porque o salário mínimo nunca acompanha o preço final para o consumidor. Hoje em dia, nem se pode mais brincar dizendo que está a preço de banana”, afirmou a coordenadora institucional do Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais, Solange Medeiros de Abreu.
Ela explica que, no cenário de alta nos alimentos, as substituições que antes ajudavam a economizar têm se tornado mais complexas. “A gente sempre orienta as pessoas a economizarem, boicotar o que está muito caro ou aproveitar ofertas. As substituições, no entanto, têm sido mais difíceis, porque, além do preço, às vezes a família não gosta da opção mais barata, por exemplo. E há coisas que não se substituem, como arroz e feijão”, complementou.
Inflação
Entre janeiro e outubro deste ano, segundo o IBGE, o preço do arroz subiu 9,71% no Brasil, mais que o dobro da inflação de 4,76%. O supervisor técnico do Dieese em Minas Gerais, Fernando Duarte, destacou que, analisando desde a década de 90, o Brasil observou um aumento no rendimento médio da população, o que proporcionou maior poder de compra em relação ao preço da cesta básica, com políticas de valorização do salário mínimo.
“Mas, ainda assim, o salário mínimo continua baixo”, frisou Duarte. Segundo ele, uma opção para reduzir a pressão do preço dos alimentos seria a retomada da política de estoques públicos pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). No caso do arroz, as reservas começaram a cair em 2012 e estão zeradas desde 2023.
“Um país produtor de alimentos como o Brasil não pode abandonar a política de estoque regulador, especialmente em situações de crise climática, como a ocorrida no Rio Grande do Sul. Não ter estoque é problemático, principalmente para produtos como arroz, feijão e milho, que compõem a mesa e a segurança alimentar da população”, disse Fernando Duarte.
Para retomar a estocagem, ele ressaltou que o trabalho deve ser a médio prazo. “Não se monta um estoque regulador em dois anos, pois, do contrário, o próprio governo acaba favorecendo a alta dos preços ao tirar produtos do mercado para estocar”, explicou.
Como aumentar o poder de compra?
Na avaliação do economista da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead), Diogo Santos, a reindustrialização do Brasil pode contribuir para aumentar o rendimento da população, por meio do desenvolvimento de setores da economia que gerem crescimento e tenham condições de pagar melhores salários.
“O setor com capacidade para impulsionar essa dinâmica é a indústria de transformação, composta por fábricas que transformam matéria-prima em produtos acabados para consumo”, exemplificou Santos. Ele acredita que, desde a década de 80, o Brasil tem visto um enfraquecimento do setor industrial. “Isso resulta em uma oferta de empregos de baixa remuneração”, acrescentou o economista.
Nesse cenário, a alternativa para aumentar a renda é buscar o trabalho informal, segundo Diogo. “Temos um problema enorme de desigualdade no país. Os salários mais baixos, comparados ao custo da cesta básica, perpetuam essa situação e colocam as pessoas de menor renda em condições de subsistência mínima. Uma grande parcela da população consegue uma renda informal, com pequenos bicos ou negócios, para complementar o orçamento e assegurar uma sobrevivência mínima”, exemplificou.
Quando os preços vão cair?
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Sistema Faemg Senar), Antônio de Salvo, afirmou que, no caso da carne vermelha, há uma tendência de melhora nos preços a partir de janeiro, com o início da safra. “Isso vai até o final de maio. Esperamos ter mais oferta, o que deverá reduzir naturalmente o preço do quilo vivo do boi ou da arroba e, consequentemente, o preço nas gôndolas dos açougues e supermercados”, previu Salvo.
O mesmo cenário se aplica ao leite e derivados. Para o café, no entanto, a situação é mais grave. “Esse setor foi afetado diretamente por uma grande estiagem no Vietnã. Tivemos quebra de produção mundial, inclusive no Brasil, especialmente em Minas, o maior produtor nacional”, comentou. A reportagem questionou a Associação Brasileira de Supermercados sobre o assunto, mas não obteve retorno até a publicação.
Fonte: O Tempo