Problemas causados pelo alto consumo da sobremesa geraram comunicado do Conselho Federal de Odontologia e memes que invadiram a internet
Dentistas alertam sobre perigos do “morango do amor” e outros alimentos doces e pegajosos (Foto/Instagram/Reprodução)
Morango fresco, coberto por brigadeiro branco, envolto em uma casquinha de caramelo crocante: eis aí, com essa receita simples, o hypado “morango do amor”, sobremesa inspirada na tradicional “maçã do amor” que viralizou nas redes sociais e tem feito a farra das confeitarias, que tem faturado alto com o doce, ao mesmo tempo que se transformou em um pesadelo para os dentistas.
Tanto que o próprio Conselho Federal de Odontologia resolveu emitir um alerta sobre os perigos associados à guloseima. Em contraponto ao tom sério e informativo dos especialistas, vídeos e memes na internet de pessoas que tiveram problemas ao dar a primeira dentada no amoroso morango vêm tomando as redes em profusão, tendo como pano de fundo o mesmo problema.
O cirurgião-dentista Júlio Brant, mestre em Ortodontia e especialista em Radiologia Oral alerta para o fato de que “alimentos com textura dura, como a casca do morango do amor, pé de moleque ou rapadura, representam um risco mecânico e biológico”. “Por serem rígidos, podem provocar fraturas e lascas em dentes naturais, especialmente naqueles que já têm restaurações ou estão enfraquecidos. Há ainda o risco de comprometer coroas, facetas e próteses. Soma-se a isso o alto teor de açúcar, que alimenta bactérias cariogênicas, favorecendo o surgimento de cáries”.
Júlio toma como base estudos da Associação Odontológica Americana, que “reforçam que alimentos açucarados e de difícil remoção constituem um dos maiores desafios à saúde bucal atualmente”. A cirurgiã-dentista Ilze Muniz concorda e complementa que “estes alimentos duros devem ser evitados por pessoas que fazem uso de próteses, pois podem ocasionar fraturas nestas também, se forem comer é melhor em pedaços bem pequenos”.
“Os alimentos duros e pegajosos também devem ser evitados por quem usa aparelho ortodôntico, pois podem quebrar os ‘braquetes’ dos aparelhos, onerando e atrasando o tratamento. Alimentos duros são um risco para a fratura dos dentes, e até das restaurações já existentes”, orienta. Ilze observa que a melhor maneira de proceder à higienização bucal “ainda é a escova manual ou elétrica, associada ao uso adequado e constante do fio dental”.
Júlio explica que alimentos de textura pegajosa como é o caso do morango do amor “aderem ao esmalte e permanecem por mais tempo nos sulcos e entre os dentes, dificultando a ação protetora da saliva”. “Após o consumo, o ideal é escovar os dentes com creme dental fluoretado, caprichando nos locais de difícil acesso. O fio dental torna-se indispensável para eliminar resíduos entre os dentes, especialmente após alimentos pegajosos. O uso de enxaguantes bucais com flúor pode auxiliar na remineralização do esmalte e completar a proteção”, corrobora.
O especialista relembra as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), que definiu que “uma boa higiene oral é ainda mais crucial em dietas com maior ingestão de açúcares”.
Alerta
Não é só o “morango do amor”. Alimentos como castanha, milho de pipoca, pé de moleque, dentre outros, também “estão entre as principais causas de fraturas dentárias não traumáticas”, pontua Júlio. “Em pessoas com sensibilidade ou restaurações antigas, o risco é ainda maior. Para quem usa dentadura ou próteses, o cuidado deve ser redobrado, pois mordidas em superfícies rígidas podem deslocar ou danificar os dispositivos. O ideal é cortar os alimentos em pedaços menores e mastigar lentamente. Outra dica importante é evitar morder com os dentes anteriores, que são mais suscetíveis a lascas”, informa o cirurgião-dentista.
Porém, especificamente no caso do morango do amor, além da textura há ainda a questão do açúcar, pavor de todos os dentistas desde que qualquer criança se entende por gente. “O excesso de açúcar na dieta tem efeito direto na proliferação da placa bacteriana, que, quando não removida adequadamente, pode causar gengivite e evoluir para periodontite, uma inflamação profunda que pode levar à perda dos dentes. Além disso, bactérias que metabolizam o açúcar liberam compostos sulfurados, responsáveis por quadros persistentes de mau hálito. Portanto, os impactos vão além das cáries e atingem também a saúde periodontal e o convívio social”, adverte Júlio.
Ilze afiança que “o aumento do consumo de açúcar torna o PH da saliva mais ácido, promovendo o desgaste do esmalte dos dentes, causando sensibilidade dentinária”. Nesse sentido, ela defende que alguns tipos de doce, “como balas e pirulitos, devem ser evitados, pois ocasionam um aumento de ácidos na boca durante um tempo prolongado, e a saliva não consegue exercer seu efeito tampão de neutralizá-los, favorecendo as cáries e a corrosão”. “Bom mesmo é evitar o consumo de açúcar, principalmente as crianças, mas escovar os dentes após a ingestão dos açúcares é a única saída”, constata a cirurgiã-dentista.
Júlio salienta que o grande problema é a duração desse consumo. “Quanto mais tempo o doce permanece na boca, maior a produção de ácidos pelas bactérias. Esses ácidos promovem a desmineralização do esmalte, enfraquecendo a estrutura do dente. Para reduzir os danos, é importante evitar doces de longa duração e realizar uma boa higiene bucal logo após o consumo. Cremes dentais com flúor e, se necessário, bochechos fluoretados ajudam na remineralização. A literatura odontológica atual reforça que a frequência e o tempo de exposição são mais nocivos do que a quantidade ingerida”, destaca.
Escapando das armadilhas
O cirurgião-dentista Júlio Brant é bem claro. Para quem busca uma receita pronta, não existe um número mágico que poderia aliviar os efeitos do consumo de sobremesas extremamente doces e pegajosas. “Quanto menos frequente, melhor. O ideal é concentrar o consumo em momentos específicos do dia, como logo após as refeições, quando a salivação está em alta e ajuda a neutralizar os ácidos. Evitar o ‘beliscar’ ao longo do dia é fundamental. E, claro, manter uma rotina de higiene eficiente e visitas regulares ao dentista para prevenção e monitoramento”, esclarece.
O especialista cita alguns vilões da saúde bucal que concentrariam essas duas perigosas características, aqueles docinhos-armadilha a serem evitados sempre que possível. “Entre os maiores vilões estão os caramelos, extremamente pegajosos; o pé de moleque, que une açúcar e dureza; o milho de pipoca não estourado, que pode trincar dentes; e as balas duras, que permanecem muito tempo em contato com o esmalte. São alimentos que combinam riscos mecânicos e biológicos. O consumo deve ser esporádico, consciente e sempre seguido de uma boa higiene. O conhecimento sobre esses alimentos-armadilha pode evitar visitas de emergência ao dentista”, diz.
A cirurgiã-dentista Ilze Muniz amplia a lista de perigosos vilões com alimentos que ocasionam fraturas dentais com frequência, embora não sejam doces, “como o torresmo e o frango frito”.
Alimentos-armadilha:
Fonte: O Tempo