Número de formandos que querem seguir a profissão está abaixo da demanda nos ensinos fundamental e médio, aponta estudo
“Eu diria para não ir por esse caminho. Há outras possibilidades para um futuro melhor, áreas que te valorizam mais”. O conselho que Aretha Soyombo, de 27 anos, daria a quem pretende ser professor no Brasil reflete o cenário em que se encontra a profissão no país: faltam docentes.
Ela nasceu em uma família de professores e em 2018 se formou pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em letras, na modalidade licenciatura, com especialização em inglês. Moradora do Santa Efigênia, na região Leste de BH, a jovem deu aula em escolas durante quase dois anos, mas decidiu deixar a sala de aula para trabalhar de forma particular.
“Na pandemia, eu fiquei muito frustrada com a sala de aula, que se tornou virtual. Eu entrava (na aula), e muitas vezes só havia três alunos. Faltavam interação e interesse deles. Como já estava na fase do pré-vestibular, não se importavam tanto, já que no Enem só tinha cinco questões básicas (de inglês). A matéria não é levada a sério. Quando decidi sair das escolas, muita gente me procurou para aprender inglês como segunda língua. Fazendo as contas,percebi queganharia bem mais. Várias pessoas estão fazendo o mesmo movimento", ponderou.
Casos como o dela têm sido comuns e acendem um alerta na educação básica brasileira: a falta de professores de determinadas disciplinas nos ensinos fundamental e médio. Pesquisa divulgada em dezembro de 2023 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) indica que em Minas as matérias que mais preocupam são língua portuguesa, língua estrangeira, educação artística, matemática e ciências + biologia.
Feito de 2019 a 2021 com foco na demanda de 2022, o levantamento mostra que o número de estudantes que estavam prestes a se formar e já atuavam nas salas de aula dessas disciplinas era insuficiente. Em uma escala de 0 a 1 em que 1 significa demanda atendida, o índice em língua estrangeira foi 0,23; 0,47 em educação artística; 0,50 em ciências + biologia; 0,54 em língua portuguesa; e 0,78 em matemática. No Brasil, todas as 12 matérias do estudo estão abaixo do mínimo necessário.
É um “apagão” na docência, afirma João Valdir de Souza, professor de sociologia da educação da UFMG que acredita que nos próximos anos será uma situação ainda mais difícil de ser solucionada. "É um problema histórico, que se agravou e tende a piorar. Não faltam profissionais. Falta atratividade para as salas de aula. Enquanto houver apenas um discurso vazio de valorizar a educação, nada será mudado. A situação é muito mais gravedo que se imagina", analisa.
Desvalorização profissional é a maior causa do êxodo
Coordenador do colegiado especial dos cursos de licenciatura da UFMG, Tiago Jorge acredita que esse êxodo dos educadores das salas de aula seja justificado pela baixa valorização da profissão. “O que a gente sempre discute é que há necessidade de políticas públicas que valorizem os cargos de docentes. E não é apenas na questão de melhores salários. É preciso haver melhores planos de carreira e uma formação continuada mais desenvolvida, para que os professores busquem se aperfeiçoar mais em cursos de mestrado e doutorado, por exemplo”, sugere o especialista.
Ele acredita que somente assim será possível atrair mais pessoas para a profissão.
Baixa procura
Pesquisas feitas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2010 apontaram que os cursos de licenciatura não estão mais na lista dos 30 mais procurados, segundo Tiago Jorge, coordenador do colegiado especial dos cursos de licenciatura da instituição. Antes, eles apareciam entre os dez mais buscados.
O que dizem Estado e prefeitura da capital
Questionados sobre o que tem sido feito para atrair mais profissionais da educação para a sala de aula, a secretária adjunta de Estado de Educação, Geniana Faria, disse que tem sido um grande desafio fazer os jovens se interessarem pela carreira e que isso passa pelo descrédito da profissão. Ela informou que o Estado vem tentando valorizar os docentes, pagando salários que acompanhem o piso nacional, retomando planos de progressão de carreira e colocando em dia benefícios que estavam em atraso desde 2015.
Já a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) respondeu que oferece salário inicial de R$ 3.228,06, 25,31% acima do piso nacional – que era de R$ 2.576,57 para uma jornada de 22 horas e 30 minutos, antes do reajuste deste ano –, além de oferecer benefícios, como progressões por escolaridade e mérito. Também acrescentou que realizou iniciativas de reposição dos profissionais, com a nomeação de 5.518 professores entre 2017 e 2023.
Fonte: O Tempo