Explosão é vista na capital ucraniana, Kiev, em 24 de fevereiro de 2022, primeiro dia da invasão russa (Foto/Gabinete do Presidente da Ucrânia/Divulgação)
Um ano após o início da invasão da Rússia à Ucrânia, o Brasil ainda sente os impactos econômicos provocados pela guerra, que começou em 24 de fevereiro de 2022. O primeiro foi o aumento dos custos de produção de alimentos, causado pela disparada do preço do petróleo e do gás natural no mundo, e que transformou a safra brasileira de grãos 2022/2023 na mais cara da história, segundo a Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
Como a Rússia é uma das maiores produtoras internacionais de petróleo e reduziu a exportação mundial, principalmente nos primeiros meses de conflito, os preços subiram em todo o planeta. Antes da invasão russa, o barril de petróleo custava US$ 95. No mês inicial da guerra, o valor chegou a US$ 128, maior cotação desde 2008. Nos últimos meses, a produção mundial se ajustou à demanda e o barril custa atualmente U$ 82.
Mas ao longo de 2022, com o petróleo mais caro no mercado internacional, o diesel encareceu aqui no Brasil e o custo do transporte de alimentos aumentou muito. Isto ajuda a explicar porque legumes, verduras e grãos ficaram tão mais caros nos supermercados e nos sacolões no último ano. E a situação pode piorar, dependendo dos rumos da guerra.
“O mais importante é a questão da energia. O impacto de um agravamento da guerra pode fazer com que se eleve ainda mais os preços, principalmente do petróleo, e isso aperta toda a cadeia de preços, podendo levar a pressões inflacionárias nesse contexto que estamos vivendo”, explica Lucas Azambuja, doutor em Sociologia e professor de Relações Internacionais do Ibmec-BH.
Segundo o especialista, outro motivo de preocupação para o agronegócio brasileiro é a questão dos fertilizantes, usados para combater pragas na produção dos alimentos. O Brasil importa 85% dos produtos que utiliza e 23% destes defensivos agrícolas são comprados dos russos.
Segundo Azambuja, a ida do então presidente Jair Bolsonaro à Rússia, um pouco antes do começo da guerra, para fechar um acordo com o presidente russo Vladimir Putin de manutenção do fornecimento destes produtos ao Brasil, foi importante para evitar que os preços dos alimentos subissem ainda mais aqui no país.
O preço do gás natural também interfere bastante na questão dos fertilizantes que o Brasil compra, pois esse combustível representa 90% dos custos de produção de alguns defensivos agrícolas.
Entretanto, o país sofre menos impacto com o gás do que com o petróleo, pois a Petrobras é uma grande produtora de gás natural e o Brasil ainda tem fornecedores do insumo na América do Sul, como a Bolívia.
O gás ficou mais caro no mundo a partir de agosto de 2022, quando a Rússia, uma das maiores produtoras mundiais, decidiu reduzir a produção, em retaliação às sanções econômicas impostas pela União Europeia por causa da guerra.
Os russos fornecem 40% do gás natural usado nos países da UE e estas nações precisaram buscar novos fornecedores, o que causou um aumento natural do preço do combustível no planeta.
Com esta escassez do produto, o gás natural chegou a custar 345 euros por megawatt-hora no ano passado, um recorde. Havia uma expectativa deste valor subir ainda mais nos últimos meses de 2022, com a chegada do inverno na Europa, pois o gás é usado nos aquecedores. No entanto, as temperaturas não foram tão baixas e os europeus conseguiram segurar o preço, economizando gás.
Em paralelo, os Estados Unidos conseguiram expandir a produção de gás e exportar para os países que precisavam, o que causou uma queda do preço, que há uma semana atingiu 49 euros por megawatt-hora, menor valor desde o início da guerra. Mas vale ressaltar que este gás produzido pelos norte-americanos é o xisto, mais poluente do que o gás natural.
O Brasil precisou aumentar a importação de trigo da Rússia, mesmo com o aumento de 76% da produção brasileira, nos últimos 5 anos, com um recorde de 9,5 milhões de toneladas produzidas em 2022.
Mesmo produzindo muito, o Brasil também consome bastante trigo, que é base para a fabricação de pães, biscoitos, bolos e pizzas, por exemplo. O país importa muito da Argentina, uma das líderes mundiais na produção de trigo, mas os argentinos tiveram grande redução na safra do ano passado, devido a uma seca severa.
Com essa situação, o Brasil aumentou a importação do trigo russo. Mas como o país também procurou outros mercados fornecedores, conseguiu evitar que o preço do insumo subisse muito aqui no mercado nacional.
Com um solo muito fértil, a Ucrânia é referência mundial na produção de milho. Mas neste caso, o impacto no Brasil foi diferente, pois os dois são grandes exportadores do grão.
Como a Ucrânia teve dificuldades em transportar sua safra no meio da guerra, os maiores compradores dos ucranianos, como os países africanos, tiveram que buscar outros fornecedores. E esta situação favoreceu o Brasil.
“O Brasil é um grande produtor de commodities. Ee por um lado reduz a exportação para a Rússia, caso as sanções continuem se arrefecendo, por outro também passa a ser procurado por muitos países, que querem alternativas em relação à Rússia e à Ucrânia”, analisa a economista e professora de MBA da Fundação Getulio Vargas (FGV), Carla Beni.
No mercado financeiro, muitos analistas também consideram que a economia do Brasil teve impactos negativos e positivos com a guerra entre Rússia e Ucrânia. Para o estrategista-chefe da Acqua Vero Investimentos, Antônio van Moorsel, um dos maiores problemas foi o aumento da inflação e dos juros. Mas nem tudo é motivo para lamentação.
“Na esfera negativa, a inflação, que já estava elevada em fevereiro no passado, claramente se agravou, os preços subiram ainda mais, mas por outro lado, a valorização das commodities, que já havia iniciado antes mesmo desse episódio, foi amplificada. Este fato é vantajoso para o Brasil, que produz e vende para o exterior alguns dos principais itens exportados pelos países envolvidos no conflito, como Rússia e Ucrânia”, avalia.
Para tentar conter a inflação no ano passado, os bancos centrais precisaram agir no mundo todo e aumentar as taxas de juros. O Banco Central Europeu elevou três vezes a taxa, que não tinha alterações há mais de dez anos. No Brasil, a Selic iniciou 2022 em 10,75% e atualmente está em 13,75% ao ano.
Fonte: O Tempo