MEMÓRIA

Há 40 anos, eleição de Tancredo Neves marcava fim da ditadura militar no Brasil

A eleição de 15 de janeiro de 1985 foi a última ocorrida de forma indireta, mas o presidente eleito foi internado um dia antes da posse e morreu sem assumir

O Tempo/Renato Alves
Publicado em 15/01/2025 às 08:15
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Ao lado da esposa, Risoleta Neves, Tancredo Neves discursa no Congresso Nacional logo após ser eleito presidente do Brasil pelos congressistas, em 15 de janeiro de 1985 (Foto/AFP or licensors)

Ao lado da esposa, Risoleta Neves, Tancredo Neves discursa no Congresso Nacional logo após ser eleito presidente do Brasil pelos congressistas, em 15 de janeiro de 1985 (Foto/AFP or licensors)

Há exatos 40 anos, com a eleição indireta do mineiro Tancredo de Almeida Neves, chegava oficialmente ao fim a ditadura militar, instaurada por meio de um golpe em 31 de março de 1964.

O Colégio Eleitoral reuniu-se em 15 de janeiro de 1985 e elegeu Tancredo Neves presidente para um mandato de quatro anos com 480 votos (72,7%) contra 180 de Paulo Maluf (27,3%). Começava a chamada Nova República.

“Continuemos reunidos, como nas praças públicas, com a mesma emoção, a mesma dignidade e a mesma decisão. Se todos quisermos, dizia-nos, há quase 200 anos, Tiradentes, aquele herói enlouquecido de esperança, podemos fazer deste país uma grande nação. Vamos fazê-la!”, disse Tancredo ao fim do seu discurso após o anúncio do resultado.

O Colégio Eleitoral foi formado após uma frustrada campanha pela aprovação da Emenda das Diretas, do deputado Dante de Oliveira. Entre novembro de 1983 e abril de 1984, o povo foi às ruas pedir eleições livres para escolher o novo presidente.  

Depois de 40 comícios e passeatas com milhões de pessoas em todo o país, o comício realizado no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, em 16 de abril de 1984, reuniu cerca de 1,5 milhão de pessoas. 

“Chegou a hora de libertarmos esta pátria desta confusão que se instalou no país há 20 anos”, disse Tancredo ao microfone, o primeiro a discursar na ocasião. Ele afirmou ainda que parlamentares que votassem contra a emenda deveriam renunciar, pois não representavam mais a vontade do povo.

Mas o Congresso, ainda dominado por aliados do regime militar, rejeitou a chamada Emenda Dante de Oliveira, em 25 de abril de 1984. Por outro lado, o movimento das “Diretas já!” fortaleceu a oposição e aumentou a pressão pela redemocratização.

Após a derrota da Emenda Dante de Oliveira, líderes do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) se articularam com parcela do Partido Democrático Social (PDS) e formaram a Aliança Democrática para a disputa no Colégio Eleitoral.

O Colégio Eleitoral tinha a seguinte composição: PDS, com 361 votos; PMDB, 273; PDT, 30; PTB, 14; e PT, 8. O PDS tinha, portanto, maioria absoluta.

Tancredo recebeu os votos dos integrantes do PMDB, do PDT, da maioria do PTB e da Frente Liberal, grupo dissidente do PDS. Houve 26 abstenções, incluindo a de 5 parlamentares do PT, orientados a votar nulo pelo diretório nacional do partido. 

O PT não abria mão de uma eleição direta. Os deputados petistas Bete Mendes, Airton Soares e José Eudes, que votaram na chapa da Aliança Democrática, acabaram sendo expulsos do partido.

Maluf provocou racha no partido dos militares

O PMDB se tornou o maior partido do país após eleições realizadas em 1982, quando elegeu nove governadores (inclusive os de São Paulo e Minas Gerais) e 200 deputados federais – a primeira eleição livre para esses cargos desde o início da ditadura. 

A eleição de 1982 era bem diferente da realizada atualmente. A lei eleitoral da época previa o “voto vinculado”, obrigando o eleitor a votar em prefeito, vereador e governador do mesmo partido, o que favorecia o governista PDS, forte no interior.

Fortalecido com a adesão de moderados do PP, que se dissolveu, o PMDB ganhou uma feição mais de centro-direita do que de centro-esquerda. Assim conseguiu liderar a transição democrática.

Já o PDS nasceu da Arena, o partido que sustentou a ditadura. Enquanto o general João Baptista Figueiredo, o último presidente militar, queria o coronel Mário Andreazza na disputa pelo PDS, outros integrantes do partido preferiam Paulo Maluf.

Empresário e ex-prefeito de São Paulo, Maluf conquistou a maioria dos votos na convenção partidária, mas acabou derrotado com ampla diferença de votos na disputa contra Tancredo.

Por outro lado, a frente pró-Tancredo prometia mandato presidencial de quatro anos, remoção das leis e regulamentos autoritários e convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte a ser eleita em 1986. 

Apesar de indireta, a eleição de Tancredo foi recebida com grande entusiasmo pela maioria dos brasileiros. Afinal, ele seria o primeiro presidente civil do país após 21 anos.

Conciliador, experiente e fiel aliado

Nascido em 4 de março de 1910 em São del Rei, na região sudeste de Minas Gerais, Tancredo era um conciliador, com vasta experiência política. Ingressou na política pelo Partido Progressista (PP), sendo eleito vereador da sua cidade em 1935. 

Com o início do Estado Novo, a ditadura de Getúlio Vargas, em 1937, Tancredo foi preso e o seu mandato de vereador extinto. Com isso, se dedicou à advocacia, atuando como promotor público. Também era empresário. 

Em 1947, foi eleito deputado estadual pelo  Partido Social Democrático (PSD). Três anos depois foi eleito deputado federal. A partir de 1953, exerceu os cargos de ministro da Justiça e Negócios Interiores de Vargas, até o suicídio dele, em agosto de 1954. 

Em 1954, Tancredo foi eleito novamente deputado federal, cargo que ocupou por um ano. Em seguida assumiu diretorias no Banco de Crédito Real e no Banco do Brasil. Também foi secretário de Finanças do Estado de Minas Gerais. 

Concorreu, sem sucesso, ao governo de Minas em 1960. Com a instauração do regime parlamentarista, logo após a renúncia do presidente Jânio Quadros, articulou a solução parlamentarista que garantiu a posse de João Goulart na crise de 1961. 

Logo em seguida, Tancredo foi nomeado primeiro-ministro do Brasil, ocupando o cargo de setembro de 1961 a julho de 1962. Era apoiador de João Goulart, taxado de comunista pelos militares, que o tiraram do poder à força.

No golpe de 1964, Tancredo foi um dos poucos parlamentares que acompanhou Goulart ao aeroporto, na partida para Porto Alegre, e o único do PSD a votar contra a eleição indireta do general Castelo Branco, o primeiro presidente da ditadura militar.

Apesar de ter sido amigo e primeiro-ministro de João Goulart, Tancredo não teve seus direitos políticos cassados durante a ditadura, devido ao seu prestígio junto aos militares. Mas ele fez oposição ao regime, de maneira moderada.

Tancredo se tornou um dos principais líderes do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido criado em 27 de outubro de 1965, a partir do Ato Institucional 2, que decretou a extinção de todos os partidos políticos então existentes.

Esse ato instituiu o bipartidarismo, representado pelo MDB, de oposição à ditadura militar, e pela Aliança Renovadora Nacional (Arena), governista. Pelo MDB, Tancredo foi eleito deputado federal em 1966, 1970 e 1974. 

Após a volta do pluripartidarismo, foi eleito senador em 1978 e fundou o Partido Popular (PP) com Magalhães Pinto, seu antigo rival, que foi governador de Minas Gerais e um dos articuladores políticos do golpe de 1964. 

Em 1982, Tancredo ingressou no PMDB e foi eleito governador de Minas. “Mineiros, o primeiro compromisso de Minas é com a liberdade!”, ressaltou em sua posse. Pelo mesmo partido seria lançado candidato a presidente na eleição indireta de 1985.  

Primeira frustração

Depois de ser eleito presidente, Tancredo fez uma longa viagem internacional. Na volta, liderou as delicadas negociações para a montagem do ministério. Os dissidentes do PSD que votaram nele cobraram um preço alto.

O ministério contaria com vários políticos que serviram ao regime militar, como Aureliano Chaves (Minas e Energia), Antonio Carlos Magalhães (Comunicações) e o banqueiro Olavo Setúbal (Relações Exteriores). 

O vice-presidente eleito, José Sarney, era visto com suspeita pela população que queria a volta da democracia porque fazia parte de uma dissidência da Arena, rebatizada de Partido Democrático Social (PDS) em 1980.

Para a Fazenda, Tancredo nomeou seu sobrinho Francisco Dornelles, um economista ortodoxo. O PMDB emplacou Pedro Simon na Agricultura, João Sayad no Planejamento e Almir Pazzianotto no Trabalho. 

Dores, internação e morte

Tancredo reclamava de dores no abdômen nesse período, mas disse que só faria tratamento após a posse, marcada para 15 de março. Ele temia que os militares da chamada “linha-dura” se recusassem a passar o poder ao vice-presidente. 

Mas, no dia 14, após uma missa de ação de graças, as dores aumentaram. O presidente eleito teve que fazer uma cirurgia de emergência no Hospital de Base de Brasília. 

O país acordou com a notícia da internação de Tancredo. Ele mandou só anunciar a doença no dia da posse, quando já estivessem em Brasília os chefes de Estado esperados para a cerimônia, o que tornaria mais difícil uma ruptura política. 

Tancredo ainda disse a Francisco Dornelles que não se submeteria à operação caso não tivesse a garantia de que Figueiredo empossaria Sarney. Dornelles garantiu ao primo que Sarney seria empossado

Em 15 de março de 1985, de forma inesperada, José Sarney assumiu a Presidência da República. Mas Figueiredo não compareceu à cerimônia de transmissão do cargo, no Palácio do Planalto, sob alegação que Sarney entraria no exercício do cargo como substituto e não como sucessor.

As complicações pós-operatórias exigiram a remoção de Tancredo para São Paulo. Ele morreu em 21 de abril, após 39 dias de internação e sete cirurgias — duas realizadas em Brasília e outras cinco em São Paulo. Tancredo partiu aos 75 anos.

A versão oficial informava que ele fora vítima de uma diverticulite, mas apurações posteriores indicaram que se tratava de um leiomioma benigno, mas infectado. Vinte anos após a morte, o corpo médico do Hospital de Base de Brasília revelou que não divulgou o laudo correto da doença à época.

Com José Sarney na Presidência da República e Ulysses Guimarães no posto de presidente da Câmara e do PMDB, conforme prometido, ocorreram eleições para formar a Assembleia Nacional Constituinte, que promulgou uma nova constituição em 5 de outubro de 1988. 

Sarney teve um governo tumultuado, principalmente por causa das crises econômicas, mas concluiu a transição, entregando o cargo ao primeiro presidente eleito pelo voto direto em 1989, Fernando Collor de Mello.

Fonte: O Tempo

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