Entenda do que ele é feito e por que se tornou uma polêmica devido ao seu destino no meio ambiente
Glitter tradicional é feito de plástico e pode contaminar meio ambiente (Foto/Pexels/Reprodução)
Ele reluz como ouro — e, de fato, torna-se lucro para empresas que investem pesado em vendas durante o carnaval. É o glitter, presente em qualquer micareta, show ou bloco carnavalesco. Envolto em polêmicas e até em segredos empresariais, ele garante a renda de pequenos e grandes negócios durante a folia e se torna um ativo econômico que movimenta milhares de reais em fevereiro.
A empreendedora Paula Barreto, criadora e única funcionária da Be Glitter, conta que, até agora, vendeu cerca de R$ 20 mil em glitter e estima que venderá outros R$ 10 mil ao longo do carnaval. Ela fundou a marca em 2017 e se especializou em glitter biodegradável — as opções tradicionais são feitas de plástico, e a vendida por ela é derivada de celulose. “Para quem vende glitter, o carnaval representa 90% das vendas. Normalmente, começo a trabalhar em setembro e, até o carnaval, vendo R$ 40 mil”, diz. Paula mora no Rio de Janeiro e, além das vendas online, sua marca pode ser encontrada em Belo Horizonte na loja colaborativa Estação Carnaval, por R$ 15 a embalagem com dois gramas.
Como grande parte dos vendedores de glitter, ela importava o material em quantidades volumosas da China. Mas, quando passou a focar na alternativa biodegradável, começou a comprar em empresas da Europa — que não revela quais são de jeito nenhum. “É igual perguntar a receita para a Coca-Cola. É segredo. É difícil achar fornecedor e ninguém vai dar isso de mão beijada”, diz.
A empresária Claudia Silva, moradora do interior de São Paulo, vende glitter no e-commerce, como a Shopee e o Mercado Livre, e também não revela de quem compra, apenas que os produtos chegam da China. “Tudo vem de lá. [Quem é o fornecedor] é um segredinho. No carnaval, digamos que a venda triplica. Nosso forte é ajudar as pessoas na renda familiar”, diz, lembrando que alguns clientes compram o glitter para revender ou produzir artesanato no carnaval. Ela não revela qual é seu faturamento com a folia, mas garante que fica na casa dos milhares de reais.
Já a designer Drika Oliveira privilegia materiais locais, que ela encontra em Belo Horizonte, para fabricar seu glitter à base de alga em casa. “Faço uma espécie de mingau com ágar-ágar [tipo de gelatina de microalga], fécula de mandioca, água, pigmento mineral e corante alimentício. Pincelo isso em uma placa de acetato, como se estivesse pintando, e deixo no sol para secar, pendurado no varal. Se estiver com muito sol, seca em três horas. Aí, retiro essa película e trituro no liquidificador. Depois, é só ensacar”, diz. Moradora de uma vila no bairro Aparecida, na região Noroeste de BH, ela faz todo o processo em casa.
Até agora, neste Carnaval Drika envasou cerca de 3.000 potinhos de dois gramas de glitter, que vende pela internet, em feiras e lojas colaborativas da capital. Ela espera lucrar pelo menos R$ 6.000 com a produção, dinheiro que pretende reinvestir na marca, a É Pra Brilhar!. Seus potinhos são encontrados por R$ 8.
A reportagem também procurou grandes fabricantes industriais, alocados em São Paulo. Um deles afirmou estar tão atarefado com a produção que não conseguiria dar entrevista neste momento. Outro preferiu não se identificar, porém relatou que a venda de glitter triplica na maratona de Natal seguida por Carnaval, em comparação ao restante do ano.
Por que gostamos tanto de glitter?
Ele gruda na pele e parece nunca mais ir embora — dias após o último bloco de Carnaval da cidade, há quem relata ainda encontrar minúsculos grãos de glitter pelo corpo. Por que, ano após ano, ele continua fascinando foliões, além de figurar em trabalhos escolares e colorir enfeites de Natal? A explicação pode estar na evolução.
Há séculos, o brilho está culturalmente associado a luxo e riqueza, mas um grupo de estudiosos de marketing da Bélgica e dos EUA foi além com alguns experimentos e tentou entender por que até crianças muito pequenas, como foi observado em alguns estudos, parecem ser mais atraídas por objetos brilhantes do que foscos. Uma hipótese levantada por eles, em um estudo publicado em 2014 na revista científica “Journal of Consumer Psychology”, é que o gosto por brilho está relacionado à inata vontade de beber água fresca, reluzente. Um dos experimentos realizados por eles, com 126 participantes, dividiu três grupos entre quem comeu biscoitos e bebeu água, só comeu biscoitos ou não comeu nem bebeu nada. Ao serem questionados sobre o que preferiam, papel fosco ou brilhante, um número maior dos participantes com mais sede escolheram o material reluzente.
A história dos materiais brilhantes é pelo menos tão longa quanto a de Cleópatra — que utilizava produtos à base de besouros triturados. Já o glitter como o conhecemos é uma invenção muito mais recente, da primeira metade do século 20. O primeiro fabricante de que se tem registro fica em Nova Jersey, próximo a Nova York, nos EUA, a Meadowbrook Inventions, em 1934. A empresa está ativa até hoje.
Do que é feito o glitter e por que ele se tornou uma polêmica?
O pozinho brilhante pode ser um perigo para o meio ambiente e, por isso, ele se tornou uma polêmica nos círculos de quem defende formas mais conscientes de consumo. Sua matéria-prima é o plástico — seja PVC, que gera glitter mais grosso, seja de poliéster, que cria um pó mais fino que adere à pele — e alumínio. Seu brilho é garantido pela forma como ele é cortado, bem fino e com ângulos que fazem ele se tornar um minúsculo espelho.
Na forma de longas tiras, esse material recebe uma camada de pintura, passa por uma bobina e, por fim, é triturado e peneirado, antes de chegar aos potinhos que enchem as lojas de Carnaval. Depois disso tudo e de passar por cartões de Natal, decoração de trabalhos infantis e corpos de foliões, ele retorna ao meio ambiente, explica a professora do curso de controle ambiental do Cefet-MG Glenda Aparecida de Carvalho.
“O glitter realmente é muito nocivo para o meio ambiente. Ele é feito de plástico, derivado do petróleo. E, como o nome diz, ele é um microplástico, um plástico muito pequenininho que é capaz de passar pelos métodos normais de tratamento de água. Esse microplástico chega aos rios e contamina a água que nós e animais consumimos”, detalha. E completa: “Por qualquer meio em que utilizemos o glitter, ele chegará à natureza. Seja porque passamos no corpo e lavamos as mãos, seja quando tomamos banho, seja aquele glitter que cai na rua no Carnaval. Isso vai para o esgoto, o tratamento não o retira e ele chegará, então, onde não deveria, na água e no solo”.
Uma vez que chegam à natureza, esses materiais podem durar centenas de anos e são encontrados no oceano, suspensos no ar e até em regiões remotas, carregados pelo vento. O glitter, porém, não é o maior vilão do meio ambiente — ele corresponde a menos de 1% dos microplásticos poluentes no mundo, segundo o professor do Instituto de Ciência Marinha da Virgínia, nos EUA, Robert C. Hale, citado em um artigo do “The New York Times”.
Mesmo assim, em meio às toneladas de plástico despejadas na natureza todos os dias, algumas marcas começam a banir o glitter de sua produção. Em 2020, grandes lojas norte-americanas, como as redes de supermercados Morrisons e Waitrose e a loja de departamentos John Lewis, anunciaram que não utilizariam mais glitter em seus produtos descartáveis de Natal. Alguns anos antes, festivais de música do Reino Unido também anunciaram o banimento de glitter feito de plástico.
A animação para a folia começou? O TEMPO traz a programação completa do Carnaval 2023 de Belo Horizonte, com ferramenta que permite busca por data, bairro e público.
Fonte: O Tempo