Mesmo com a verba expressiva, condições degradantes são comuns em presídios (Foto/MNCPT / Reprodução)
É consenso entre especialistas que a violação de direitos dos presidiários está longe de ser novidade não só em Minas, mas em todo o país. Há décadas, rebeliões e motins são motivados pelo tratamento degradante dispensado aos condenados. As violações também são alvo constante da fiscalização de órgãos de execução penal e de ativistas da sociedade civil. Mas, se as autoridades conhecem tão bem o problema, por que ainda não foram capazes de erradicá-lo?
Para estudiosos do tema, primeiro é preciso entender a origem do problema. Coordenador estadual de Assuntos do Sistema Prisional da Defensoria Pública de Minas Gerais, Leonardo Bicalho defende que a violação de direitos humanos está diretamente relacionada ao “superencarceramento que o Estado brasileiro tem enfrentado nas últimas décadas”. Em 2022, o déficit chegava a 171,6 mil vagas no Brasil e 21,3 mil em Minas.
O defensor público propõe que, nos casos de delitos considerados menos graves, o encarceramento seja evitado e que sejam priorizadas as penas alternativas ou em regime aberto. Além disso, Bicalho afirma que a Defensoria Pública de Minas já faz “mutirões para identificar pessoas que estão presas indevidamente ou que já estão próximas de alcançar o direito de sair do estabelecimento, com intuito de dar uma esvaziada nos presídios”.
O sociólogo Luis Flávio Sapori, ex-secretário adjunto de Justiça e Segurança Pública de Minas, acrescenta que há limitações orçamentárias do Estado para romper com o ciclo de violência nos presídios. “Isso envolve não só dinheiro, mas uma capacidade de fazer mais com menos. Mesmo com limitação de recursos, você tem que ter gestão técnica profissional no setor, a ponto de não priorizar apenas a segurança nas unidades. Esse é o grande desafio”, avalia o sociólogo.
A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp-MG), por outro lado, afirmou, em nota, que destinou, somente no ano passado, “R$ 74 milhões para a execução de obras de reformas em unidades prisionais prioritárias. Nos últimos anos, este é o maior recurso destinado de uma única vez para a área, com foco em melhorias do sistema prisional mineiro”.
Segundo a pasta, o governo injetou R$ 2,81 bilhões no sistema prisional em 2022, incluindo gastos com pessoal – 34,7% a mais que em 2020, por exemplo. Para este ano, o governo reservou praticamente o mesmo valor: R$ 2,83 bilhões (confira mais abaixo). Dados do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional também apontam que Minas ocupa o 5° lugar no ranking dos Estados que mais gastaram com presos em 2022: R$ 3.239,35 por mês, em média – 47% a mais que a média nacional.
Três policiais penais foram condenados a quase um século de prisão, no mês passado, por torturarem 30 detentos no presídio de Itaobim, no Vale do Jequitinhonha, em setembro de 2022. De acordo com a denúncia, eles submeteram presos a chineladas, socos e chutes para obter confissão.
A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa (ALMG) flagrou, em 26 de maio, uma série de irregularidades na Colônia Penal Professor Jacy de Assis, em Uberlândia, no Triângulo. Com 900 vagas, a unidade tinha 1.700 detentos, além de colchões molhados e celas escuras.
A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp-MG) declarou, em nota, que a superlotação é “uma realidade em todo o país” e informou “trabalhar continuamente para ampliar o número de vagas do sistema”.
O governo do Estado prevê a abertura de 600 novas vagas para detentos em Minas com a inauguração de anexos nas prisões de Itajubá (Sul), Iturama (Triângulo) e Divinópolis (Centro-Oeste). Além disso, a retomada, no início de junho, da construção de uma cadeia em Ubá (Zona da Mata) deve abrir mais 388 vagas, conforme nota da Sejusp.
A pasta ressaltou que diversas obras foram concluídas no último biênio, como as reformas na Penitenciária de Ribeirão das Neves I, no Centro de Remanejamento Provisório da Gameleira (BH), no Presídio Antônio Dutra Ladeira (Ribeirão das Neves), no Ceresp de Juiz de Fora e na Penitenciária de Teófilo Otoni.
Confir a entrevista do Super com Luiz Carlos Rezende e Santos, Juiz da Vara de Execuções Penais de BH e presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis):
O governo de Minas diz investir na infraestrutura e no treinamento de servidores do sistema prisional, com foco no respeito aos direitos humanos. Por que, apesar disso, o Estado não consegue frear a violação de direitos dos presos?
Situações como a falta de remédio e de alimentação adequada, superlotação e abusos de agentes penitenciários não deveriam acontecer. Mas não se sabe ao certo como é a apuração dessas denúncias ou o investimento feito na capacitação dessas pessoas (servidores). É preciso ter uma escuta ao policial penal, para saber quais são as dificuldades e por que isso (violação de direitos) está acontecendo. E também uma escuta transparente da população penal.
Especialistas apontam que a superlotação é um dos combustíveis para ampliar ainda mais a violência nas cadeias de Minas e do Brasil. Em que medida o Judiciário pode atuar para que esse problema seja minimizado?
Os juízes de execução penal são os que mais contribuem para diminuir o superencarceramento. O número de presos provisórios está aumentando, e quem pode resolver? São os juízes, colocando as pessoas, através de uma decisão jurídica, muito a contragosto, em prisão domiciliar.
Mas há como punir o infrator com eficácia sem sobrecarregar o sistema prisional?
Talvez (uma alternativa seja elaborar) uma política criminal, com legislação própria, que dê oportunidade para as penas alternativas terem maior eficácia.
Fonte: O Tempo