EDUCAÇÃO PÚBLICA

Rede estadual de MG perdeu 450 mil matrículas nos últimos dez anos

A rede perdeu 450 mil matrículas desde 2014; a quantidade é maior do que a população de 849 das 853 cidades mineiras (99%), ou seja, apenas 4 municípios possuem mais habitantes

O Tempo/Rayllan Oliveira
Publicado em 22/04/2024 às 09:43
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Evasão e abandono escolar são apontados como possíveis causas para a redução no número de estudantes na rede (Foto/iStockphoto/Divulgação)

Evasão e abandono escolar são apontados como possíveis causas para a redução no número de estudantes na rede (Foto/iStockphoto/Divulgação)

Durante a adolescência, a autônoma Katiane Souza, hoje com 36 anos, deixou de frequentar a escola para poder trabalhar. Essa foi a alternativa encontrada por ela, a filha mais velha de cinco irmãos, para ajudar a sua mãe a sustentar sua família. Uma decisão que também foi tomada pelo seu primeiro filho, o autônomo Caíque Silva, de 21, quando ainda tinha 17 anos. Ele abandonou os estudos, em 2019, para poder trabalhar e conseguir ajudar a mãe, além de garantir alimentação para os seus quatro irmãos. “Ninguém quer que o filho não estude, jamais pedi para ele sair. Mas foi a única oportunidade que ele encontrou para me ajudar a colocar comida na mesa”, relata Katiane.

Histórias como a de Katiane e de Caíque se repetem nas escolas estaduais de Minas Gerais. Nos últimos dez anos, conforme o Censo Escolar, feito pelo Ministério da Educação, o número de alunos matriculados na rede do Estado diminuiu 23,38%. A quantidade de estudantes no ensino regular, que engloba o ensino fundamental e médio, passou de 1,9 milhão, em 2014, para 1,4 milhão em 2023 — uma redução de mais de 450 mil matrículas, quantidade maior do que a população de 99,5% dos municípios mineiros. Ou seja, apenas quatro cidades em Minas têm população superior a esse número: Belo Horizonte, Uberlândia, Contagem e Juiz de Fora.

“É uma realidade principalmente entre os que têm baixa renda. Eles até buscam aulas noturnas para poder estudar e trabalhar, mas não conseguem conciliar. Quando veem a família passando por aperto (necessidade de alimentação, por exemplo), eles sempre vão priorizar a renda em vez do estudo. O grande problema nessa questão é a falta de política pública”, relata o professor Fábio Militão, que há 15 anos atua na rede estadual de ensino.

Ainda segundo o Censo Escolar, a rede estadual foi a única que teve redução no número de alunos no ensino regular durante a última década (entre 2014 e 2023). Nas unidades de ensino federais que funcionam em Minas Gerais, a quantidade de matrículas passou de 19.989 para 30.482, o que sinaliza um aumento de 52%. A rede privada do Estado também ganhou mais estudantes, de 603 mil para 639 mil (5,89%). Movimento que se repetiu na rede municipal — considerando os números dos 853 municípios mineiros —, que teve uma crescente de 1,6 milhão para 1,7 milhão (4,84%).

A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE-MG) reconhece a redução do número de alunos. Embora admita não ter feito nenhum tipo de estudo para identificar os motivos, a pasta aponta como um dos fatores a questão demográfica, considerando o menor nascimento de crianças.

Em 2000, conforme o Banco Mundial, a taxa de fecundidade no Brasil, que indica a média de filhos por mulher, era de 2,26. A média reduziu para 1,81 em 2010 e para 1,65 em 2020. A migração de estudantes para as redes federal e particular, além da evasão (saída definitiva da escola) e do abandono (interrupção) escolar, também são vistos como motivos para a queda na quantidade de alunos.

“A academia precisa de um estudo muito aprofundado para entender essa questão, mas hoje trabalhamos com essas hipóteses. Não dá para atestar que os estudantes saíram da rede estadual e foram para a particular, por exemplo. Só que a evasão e o abandono são realidades que ajudam a justificar, e temos feito uma busca intensa para o retorno desses alunos”, justifica o assessor-chefe de Inovação da SEE-MG, Magno Peluso.

De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a taxa de evasão nas escolas da rede estadual de Minas, nos anos iniciais, saltou de 0,2% para 1,5% entre 2019 e 2020. Também houve aumento nos anos finais (2,4% para 4,2%) e no ensino médio (6,8% para 9,7%). O cálculo é feito a cada dois anos e considera aqueles alunos que deixam a escola sem completar os estudos e sem retorno posterior a alguma rede de ensino.

O Inep também indicou aumento na taxa de abandono entre os anos de 2021 e 2022. Nos anos finais, foi de 1,6% para 2,1%, e no ensino médio, de 4% para 7,8%. A única redução ocorreu entre estudantes dos anos iniciais (de 0,5% para 0,3%). O abandono escolar ocorre quando um estudante deixa a escola antes de concluir o ano letivo. “Muitas vezes, os alunos abandonam a escola porque não estão aprendendo”, indica o superintendente de Avaliação Educacional da SEE-MG, Wagner da Costa.

A professora Jacqueline Maciel, que atua na rede estadual, afirma ter percebido uma queda de rendimento entre os alunos. “Cada escola tem uma realidade, mas isso é perceptível com a leitura. A rede pública tem uma realidade socioeconômica não privilegiada e sofre mais impactos, algo que se agravou com o abandono do poder público durante o período de pandemia”, sinaliza. A docente atribui os impactos ao período pandêmico e às novas tecnologias. “O uso inapropriado afetou a capacidade de interpretação de textos verbais e não verbais”, acrescenta.

Uma percepção também compartilhada pelo professor Fábio Militão. “Passamos por uma pandemia e temos como saldo uma deficiência muito grande na educação. A sensação é que o Estado não se preparou para resolver isso, e para o professor é um dilema. Ele não sabe se recupera o estudante que teve o processo de aprendizagem comprometido ou se segue com a turma. Em meio a isso, o aluno que está atrasado deixa a escola”, expõe.

A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE-MG) garante que desenvolve uma série de ações para conter o abandono e a evasão escolar. São medidas que vão desde a prevenção da infrequência até a recuperação do aprendizado perdido durante esse período. Uma delas é o programa Busca Ativa, lançado em 2019 com o objetivo de reinserir os alunos na rede estadual. Ao longo dos quatro anos, cerca de 210 mil estudantes foram recuperados.

“O grande desafio para a educação não é a falta de vagas, mas a permanência desses alunos nas escolas”, alerta o professor José Francisco Soares, ex-presidente do Inep. Um estudo desenvolvido pelo grupo de que ele participa na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), junto à Fundação Itaú, apontou que 52% dos alunos concluíram o ensino fundamental na idade correta, percentual que cai para 40% em relação ao ensino médio. A pesquisa analisou dados do Censo Escolar da educação básica de 2007 a 2019, observando a população nascida entre 1° de julho de 2000 e 30 de junho de 2005.

Conforme o professor, a continuidade dos estudantes na escola é hoje o principal desafio para os gestores da educação. “A permanência de forma regular precisa ser considerada. O sinal de uma escola de qualidade é a continuidade do aluno. Por isso as redes precisam desenvolver programas de recomposição de aprendizagem, de acompanhamento, entre outros, para que esse ciclo não se interrompa. A reforma do ensino médio tinha essa intenção”, acrescenta o ex-presidente do Inep.

De acordo com a SEE-MG, para garantir o direito à aprendizagem e, consequentemente, evitar o abandono e a evasão escolar, a pasta desenvolve o Plano de Recomposição das Aprendizagens (PRA) e o Reforço Escolar. As iniciativas buscam reduzir a defasagem de ensino e assegurar o desenvolvimento de habilidades previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e no Currículo Referência de Minas Gerais (CRMG).

Em março, o Ministério da Educação, do governo federal, lançou o programa Pé-de-Meia, uma espécie de poupança do ensino médio. A iniciativa prevê o pagamento de incentivos anuais de até R$ 3.000 por beneficiário. Ao final da etapa de ensino, nos três anos, o valor pode atingir R$ 9.200. O programa, disponível para estudantes de famílias inscritas no Cadastro Único (CadÚnico), foi lançado com o objetivo de assegurar a permanência dos alunos na escola e a conclusão dessa etapa do ensino.

Fonte: O Tempo

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