Especialistas avaliam que empresa pública precisa se modernizar em um mercado cada vez mais concorrido
Situação da estatal afeta as contas públicas e é também resultado de mudanças no mercado (Foto/Kelsen Fernandes/Fotos Públicas)
Mais distantes de um empréstimo de R$ 20 bilhões e mais próximos da insolvência, os Correios vivem uma crise que, além de financeira, é geracional e tecnológica, apontam especialistas. A contratação do empréstimo foi suspensa pela estatal devido ao custo elevado. Com prejuízo de R$ 6,1 bilhões entre janeiro e setembro deste ano, a situação já fez a estatal receber uma cobrança pública do Ministério da Fazenda.
A pasta classificou o resultado primário dos Correios como “muito ruim” e que há maior chance de contingenciamento no próximo ano devido à saúde financeira da empresa pública. O governo federal estima um déficit primário de R$ 9,2 bilhões para as estatais federais este ano, montante consideravelmente acima da meta para 2025, de R$ 6,2 bilhões.
A gestão federal avalia ainda afrouxar a meta fiscal das estatais federais para o próximo ano para acomodar as despesas relacionadas ao plano de reestruturação dos Correios - uma das medidas necessárias para obtenção do empréstimo. Neste ano, por exemplo, a estatal inicialmente havia projetado um saldo negativo de R$ 2,4 bilhões, prejuízo que posteriormente foi revisado para cima em mais de 140%.
A projeção da empresa é fechar 2025 com resultado negativo de R$ 5,8 bilhões, prejuízo menor que do que o acumulado no ano até agora, diante da perspectiva de um saldo positivo nos últimos meses do atual exercício, com as vendas de datas comerciais e festivas.
A empresa precisa de R$ 10 bilhões em 2025 e mais R$ 10 bilhões em 2026, para capital de giro e também para custear as medidas de ajuste previstas no plano de reestruturação, que, entre outras ações, prevê demissões voluntárias, mudanças no plano de saúde e renegociação de passivos atrasados. Mas o empréstimo de R$ 20 bilhões, aprovado pelo conselho de administração, teve de ser suspenso devido ao custo elevado. Segundo interlocutores, o Tesouro Nacional avisou a empresa que não aceitaria conceder a garantia soberana em uma operação com taxa de juros acima do custo máximo permitido pelo órgão. Os juros oferecidos por um grupo de cinco bancos ficaram acima do tolerado.
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU) pediu a fiscalização da operação de crédito emergencial pelos Correios. O MPTCU pediu a avaliação sobre a taxa de juros negociada, a garantia oferecida pela União e o impacto financeiro sobre os Correios e o Tesouro Nacional. O órgão também solicitou a análise dos impactos da operação sobre o déficit público e a sustentabilidade financeira da empresa, ao considerar uma possibilidade de transferência do ônus para o Tesouro Nacional.
"Perdendo mercado da encomenda"
Para o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, Marcus Pestana, a operação financeira para tentar salvar os Correios provavelmente seria revertida como mais um prejuízo da estatal a ser absorvido com os recursos da União. “Vai ter que gerar lucro para manter a empresa, pagar as despesas, fazer os investimentos e ainda pagar o empréstimo. Eu não vejo como. A empresa está perdendo o mercado de encomenda. Não consigo ser otimista em relação a isso”, declarou.
A empresa pública, apontou, vive um desafio de conjuntura, por não gerar resultado financeiro positivo, como também está diante de um desafio estrutural, muito mais grave, de atuar com um modelo de negócios ultrapassado.
Professor da UNA e especialista em Direito Público, Carlos Barbosa, avaliou que os Correios não se modernizaram com o advento da era digital, sem se profissionalizar na área de encomendas e em um serviço na área de e-commerce, o que deixou a estatal presa a um modelo típico dos anos 1960, das cartas e telegramas, época em que foi fundado.
Ele explicou que para a estatal voltar a ter atratividade comercial, seria necessário mudar a estrutura desse modelo de negócio e diminuir seu tamanho, já que uma empresa do porte dos Correios não é mais adequada dentro do modelo de negócio que atua e não tem competitividade frente à gigantes do e-commerce, como Amazon e Mercado Livre.
“Os Correios precisam mudar essa estrutura comercial para se tornar atrativo e que esses R$ 20 bilhões emprestados façam algum sentido, mas da forma que está, é viver na época dos navios usando uma jangada. E uma jangada furada ainda por cima, porque os Correios não têm viabilidade, não tem vida longa. Investir R$ 20 bilhões da forma que está é jogar dinheiro fora”, disse.
Essa mudança de realidade enfrentada pelos Correios não é uma exclusividade do Brasil, mas observada no mundo inteiro, explicou o professor da UNA. Na maioria dos países, as empresas de postagem ficaram paradas no tempo já que possuíam o monopólio de entrega de cartas. Mas o envio de cartas praticamente deixou de existir com a popularização da comunicação digital, primeiramente com o e-mail, até chegar aos dias atuais, com o WhatsApp.
O Serviço Postal dos Estados Unidos (USPS), por exemplo, vive situação até pior do que a do seu colega brasileiro. O último resultado positivo da estatal norte-americana foi em 2006 e, desde então, acumula um prejuízo de mais de US$ 100 bilhões, com um resgate de US$ 50 bilhões concedido pelo Congresso dos EUA ao longo do tempo.
Marcus Pestana, que já integrou o conselho de administração dos Correios, revelou até algumas tentativas de inovação da estatal que acabaram fracassando frente às mudanças. “Tentamos inventar novos negócios. Tinha uma população brasileira imensa e desbancarizada. Criamos, inspirados na experiência japonesa, o Banco Postal. Só que aí veio a tecnologia, as fintechs, os bancos digitais e o Banco Postal foi pro vinagre”, contou.
É hora de privatizar?
Carlos Barbosa destacou que a privatização não necessariamente é uma possibilidade real, já que, frente a prejuízos operacionais consecutivos e grande estrutura, dificilmente a venda da estatal iria gerar o interesse das gigantes do setor de entregas, mesmo sendo a única empresa brasileira presente em todos os 5.570 municípios.
Um estudo técnico do governo federal poderia indicar se é mais viável uma privatização ou um aporte financeiro atrelado a uma agenda de modernização, atualização e diminuição do tamanho. “Seja no aspecto de privatização, seja no aspecto do próprio estado, os Correios de hoje não têm viabilidade. É uma empresa que só gasta e não tem retorno”, argumentou o professor.
Já Pestana pontuou que a privatização dos Correios poderia ser não pela empresa em si, mas de sua estrutura da rede logística, com centros de distribuição e armazenagem, que oferecem organização e capilaridade no país.
O Ministério da Fazenda, por outro lado, já afirmou que a privatização dos Correios não está em debate no governo federal. O ministro Fernando Haddad afirmou ainda, à imprensa, que o Tesouro Nacional só dará aval para o financiamento se a estatal apresentar um plano de reestruturação "consistente".
Procurada pela reportagem, a estatal não respondeu até o momento. Esta matéria será atualizada assim que houver resposta da empresa.
Fonte: O Tempo