Tendência é tribunal permitir que alguém exija que suas cirurgias ocorram sem transfusão de sangue por causa de convicção religiosa
Presidente do STF, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que o direito à recusa de transfusão de sangue por convicção religiosa tem fundamento nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e a da liberdade de religião (Foto/Gustavo Moreno/STF)
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (25) o julgamento sobre a possibilidade de alguém, por razões religiosas, pedir ao governo o custeio de tratamento médico específico de saúde ou exigir que suas cirurgias ocorram sem transfusão de sangue.
A Corte analisa dois recursos que tratam das convicções das Testemunhas de Jeová. Com mais de 900 mil adeptos no Brasil, o segmento religioso não permite o recebimento de transmissão de sangue de terceiros. Há diversos casos de pais que impediram filhos de fazerem cirurgia por causa desse preceito religioso.
A análise dos recursos pelo STF começou na semana passada e será retomada com o voto do ministro Nunes Marques. A Corte já tem cinco votos para reconhecer que os seguidores dessa religião têm o direito de recusar transfusões de sangue. Ou seja, falta um voto para formar maioria, pois o supremo é formado por 11 ministros.
Eles também decidirão se as pessoas que recusarem a transfusão de sangue terão o direito a tratamentos alternativos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), inclusive fora da sua cidade de residência, se necessário. Os ministros ainda precisam discutir pontos como os custos com locomoção, estadia e alimentação de pacientes que tenham que ir para outras cidades ou até outros estados para buscar o tratamento alternativo na rede pública de saúde.
“Existindo tratamento alternativo no âmbito do próprio SUS, parece fora de dúvida que ele seja oferecido ao paciente nessas circunstâncias. Portanto, há um dever do Estado, desde que isso não represente um ônus desproporcional. Sendo o paciente hipossuficiente, que não têm condições financeiras favoráveis, é razoável e proporcional o custeio do deslocamento e da permanência pelo tempo necessário na localidade da instituição que oferece o procedimento”, ponderou o ministro Luís Roberto Barroso.
Os relatores dos dois recursos são Barroso e Gilmar Mendes. Ambos apresentaram pareceres que garantem o direito de recusa ao tratamento com base em convicção religiosa. Seguiram as posições deles os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin e André Mendonça. Além de Nunes Marques, faltam votar Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.
Barroso apontou que o direito à recusa de transfusão de sangue por convicção religiosa tem fundamento nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e a da liberdade de religião. “Existe direito das pessoas que professam a religião Testemunhas de Jeová de recusa à transfusão de sangue em qualquer procedimento médico”, afirmou Barroso.
Saúde, dignidade da pessoa humana, legalidade, liberdade de consciência e de crença são direitos fundamentais previstos na Constituição. Os casos em julgamento começaram nas primeiras instâncias da Justiça e chegaram ao STF porque tratam de princípios e direitos previstos na Constituição. É papel do STF garantir o cumprimento do texto.
Para ter o direito garantido sobre a recusa da transfusão de sangue, o seguidor da religião precisa cumprir alguns requisitos, conforme os votos já apresentados. Entre outras, ele tem que ter mais de 18 anos e fazer a escolha de forma livre e expressa, antes do ato médico. Cabe só ao paciente ter essa escolha. Ou seja, ela não pode ser feita por outra pessoa. Isso vale também para filhos com menos de 18 anos de pais que sigam a religião.
Fiéis citam passagem do Velho Testamento para recusar sangue alheio
As Testemunhas de Jeová seguem o Velho Testamento. Para recusar a transfusão de sangue, a doutrina usa passagens bíblicas como Gênesis 9:4 e Atos 15:20. Essas escrituras ressaltam que o sangue representa a vida. Por isso, segundo os adeptos de tal religião, é preciso evitar receber sangue por qualquer via, não só em obediência a Deus, mas também para lhe mostrar respeito como o doador da vida.
Os líderes da região no Brasil defendem que não só os fiéis, mas todos os cidadão, deveriam ter acesso ao programa PBM (Patient Blood Management ou Gerenciamento do Sangue do Paciente). Ele visa otimizar o uso do sangue do próprio paciente durante tratamentos e cirurgias, reduzindo a necessidade de transfusões de sangue.
O objetivo principal de tal técnica, segundo as Testemunhas de Jeová, é melhorar a segurança e os resultados clínicos dos pacientes, minimizando riscos associados às transfusões, como infecções, reações adversas e complicações cardiovasculares.
Fonte: O Tempo