PROJETO DE LEI

Lula e a regulação das redes: até onde vai o risco de censura?

Governo do petista quer mudar legislação para definir regras para as empresas. Professor avalia que regramento é ‘arma na guerra política contra o adversário’

O Tempo
Publicado em 27/02/2023 às 08:49
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A regulação das redes sociais é considerada prioritária no governo Lula (Foto/Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Considerada prioritária pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a regulação das redes sociais está longe de ser um consenso entre especialistas e políticos. O ponto central é que a regulação se encontra em uma linha tênue entre liberdade de expressão e o risco de censura de conteúdo. 

Para o cientista político e coordenador do curso de relações internacionais do Ibmec BH, Adriano Gianturco, a proposta de regulação das mídias sociais é uma “arma na guerra política contra o adversário”. “Quem está no governo agora e pretende fazer a regulação deve se lembrar de que, quando sair, o adversário pode entrar e certamente vai usar a regulação contra ele”, alertou. O professor fez questão de ressaltar que a solução não é censurar.

Na visão de Gianturco, a esquerda que assumiu o poder quer regular as mídias sociais porque esse ambiente foi dominado pela direita nas duas últimas campanhas eleitorais. Segundo o professor, a direita soube se aproveitar do ambiente online para se colocar e compartilhar suas ideias. “A proposta de regulação das redes faz parte da luta política e vem mascarada por uma narrativa de que é preciso combater discursos de ódio e fake news, mas o que realmente está em jogo é o controle político”, argumentou Gianturco.

Para Ricardo Fabrino, professor do Departamento de Ciência Política da UFMG e membro do Comitê Gestor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital, essa discussão “é fundamental à liberdade e à democracia”. “É preciso desafiar essa ideia maniqueísta e equivocada de que qualquer discussão sobre regulação da comunicação implicaria uma forma de censura. Isso impede que a questão seja sequer debatida. O equilíbrio vem da construção de um processo público de construção de regras para a estruturação de uma esfera pública mais saudável”, afirma Fabrino.

Segundo o professor, “o direito de se expressar não pode ser confundido com o direito de gerar danos a outros cidadãos por meio de discursos. Na visão de Fabrino, o debate sobre regulação da comunicação deve incluir questões mais amplas como a difusão de discursos de ódio e desinformação.

De acordo com a secretária geral da Comissão de Direito Constitucional da Ordem dos Advogados de Minas Gerais (OAB-MG), Mariane Cardoso, a Constituição garante a liberdade de expressão e determina a responsabilização de cada um pelo que faz e fala, tanto no ambiente público quanto no privado.

Segundo a advogada, o debate sobre regulação é necessário porque a internet não pode ser “terra de ninguém”. “Não se pode admitir agressões na internet, mas, ao mesmo tempo, não pode haver privação de conteúdo”, defendeu. Mariane ressaltou que é preciso garantir a identificação dos responsáveis por eventuais crimes para inviabilizar o anonimato e, se for o caso, mover ações contra as pessoas que veiculam conteúdos ilícitos. 

Deputados divergem de abordagem

O Projeto de Lei 2.630/2020, conhecido como Lei das Fake News, propõe a regulação de plataformas de mídias sociais, que são as provedores de redes sociais, as ferramentas de busca e as de mensagens instantâneas cujo número de usuários registrados no Brasil seja superior a 10 milhões. Ou seja, entre as reguladas estariam empresas como Google, Facebook, WhatsApp e TikTok.

Segundo Reginaldo Lopes, vice-líder da bancada do PT na Câmara, o PL propõe o combate à desinformação e às fake news. “É preciso punir discursos de ódio, propagação de mensagens que ofendem os direitos humanos e divulguem preconceito, racismo, misoginia”, defendeu Lopes, sem deixar de ressaltar que a linha entre a liberdade de expressão e censura de conteúdo “é muito tênue”.

Já o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP) argumentou que a regulação pode ser discutida sem que se inviabilize o modelo de negócio das redes sociais. O parlamentar criticou o PL das Fake News que, segundo ele, “fala 19 vezes em publicidade”. “Se fosse um debate apenas sobre fake news, a gente poderia discutir com uma tranquilidade muito maior”, pontua Kataguiri.

Na visão de Kataguiri, fake news e crimes devem punidos, e isso pode ser regulamentado sem dar margem para arbitrariedades contra a liberdade de expressão.

"O debate sobre regulação das mídias sociais é algo premente e urgente para o governo", reiterou o deputado federal Rogério Correia (PT). Segundo o parlamentar, tem muito deputado que é "lobista das plataformas" e, por isso, defende os interesses financeiros dessas empresas. "Tem deputado que não quer, por exemplo, que as plataformas paguem impostos. Se elas estão prestando serviço e ganham dinheiro, por que não podem pagar imposto?", questionou. Correia ressaltou que também é preciso regular a atividade dessas empresas do ponto de vista financeiro para evitar reserva de mercado.

Direito

A analista política e advogada especializada em direito digital, Elaine Keller, disse que liberdade de expressão “não são direitos absolutos”, porque o direito público está acima do direito privado.

Como advogada especialista em direito digital, Keller vê a regulação das mídias digitais como uma proposta positiva. Ela tem advogado para clientes que tiveram seus perfis nas redes sociais invadidos. Apesar de ter conseguido determinação da Justiça para que as plataformas identifiquem quem invadiu as contas, Keller contou que as empresas alegam que não podem fornecer os dados por eles estarem guardados nos EUA. “Se essas plataformas prestam serviço no Brasil, têm que seguir a legislação brasileira e obedecer à decisão judicial daqui”, argumentou.

Fonte: O Tempo

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