Pesquisadores da UFMG foram procurados por grupo dos Estados Unidos que pretende desenvolver imunização contra vício em medicamentos com efeitos analgésicos e sedativos
Professor Frederico Garcia, da UFMG, é um dos responsáveis pelos estudos da vacina contra cocaína e crack (Foto/Rayllan Oliveira / O Tempo)
Os estudos para o desenvolvimento da vacina contra a dependência da cocaína e o crack, feitos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), podem colaborar com pesquisas para a criação de imunizantes contra os vícios em cigarro e em medicamentos com efeitos analgésicos e sedativos. Os responsáveis pelos estudos contam com uma ajuda de uma plataforma antidrogas, que pode fomentar o desenvolvimento de vacinas contra a nicotina e também contra o uso de opióides - medicamentos com efeitos analgésicos e sedativos potentes. Os estudiosos, inclusive, teriam sido procurados por pesquisadores dos Estados Unidos, que pretendem colaborar com a pesquisa.
"Os opióides são um grande problema nos Estados Unidos. Então a gente tem feito uma parceria com um colega americano para colaborar nos estudos para criar uma vacina contra essa dependência", informa o professor o professor do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, Frederico Garcia, um dos responsáveis pelos estudos para o desenvolvimento do imunizante contra a cocaína e o crack.
Conforme Garcia, embora se tenha o interesse, a universidade precisaria de recursos para avançar nas pesquisas. "Já temos o desenho e a estratégia de produção de vacinas contra os opióides e a nicotina. Além dos investimentos em dinheiro, precisaríamos de recursos humanos, com alunos dedicados a fazer essa síntese", completa o professor.
Parte destes trabalhos pode ser custeado com os recursos do Prêmio Euro Inovação na Saúde, concurso em que a vacina para a dependência da cocaína e do crack é finalista na categoria Inovação Tecnológica. O vencedor vai receber 500 mil euros, o equivalente a mais de dois milhões e seiscentos mil reais. Além de iniciar a fase de estudos clínicos do imunizante anticocaína e crack em humanos, a premiação poderá colaborar com as pesquisas para o desenvolvimento de vacinas contra a dependência em outros tipos de drogas.
"A gente conseguiu criar uma plataforma que permite fazer imunizantes para outras dependências. Então temos, hoje, potencial para oferecer outras soluções", destacou o professor Frederico Garcia. A expectativa, segundo o pesquisador, é de que, caso o projeto seja o vencedor do concurso internacional, a vacina esteja disponível entre dois e três anos."A nossa intenção é fazer uma entrega rápida. Dar uma resposta para um problema social que ainda não possui tratamento específico".
O Prêmio Euro reúne importantes iniciativas na área médica de 17 países da América Latina. A votação está aberta até o dia 27 de junho. Médicos de todos os países participantes da premiação, entre eles Brasil, Argentina e Uruguai, podem participar do processo de escolha. O concurso ocorre de forma online, no site da instituição responsável pela premiação.
O que motivou o desenvolvimento dessa vacina? Por qual motivo a cocaína e o crack?
A história dessa vacina teve início quando a gente começou a ter no ambulatório de dependências químicas um número muito grande de mulheres que engravidaram fazendo o consumo da droga. Uma tragédia para uma dependente química ficar grávida, porque o uso da droga faz mal para ela e o bebê. Ela não consegue parar de usar essas drogas porque ela tem uma doença que chama dependência. Então essa foi a nossa motivação inicial. Foi trazer essa solução para proteger essas mulheres, para que elas pudessem viver a gravidez e não sofressem tanto. Além de não deixarem sequelas nos bebês. Além desse motivo, tem outra questão que é o fato do Brasil ser o segundo maior mercado consumidor dessas drogas. E o que a gente percebe é que o uso tem aumentado, já que elas estão cada vez mais disponíveis para a população.
Quais foram as etapas realizadas pelo estudo? Quais os resultados?
Nós trabalhamos nessa vacina desde 2015 e conseguimos concluir todas as fases necessárias para o registro. São os estudos feitos em animais. A gente conseguiu mostrar que ela é eficaz e segura, e que a gente tem um medicamento com grande potencial de fazer o que ele se propõe, que é diminuir o risco de dependência de cocaína e crack. A gente está em um ponto avançado do projeto, e pretendemos fazer essa análise em humanos.
Essa pesquisa realizou testes em ratas grávidas. Teve algum resultado significativo desse experimento?
É a primeira vez que conseguimos prevenir doenças psiquiátricas de forma intrauterina. O que a gente mostrou é que ao vacinar ratas grávidas, que recebem cocaína durante a gravidez, a gente diminui as complicações obstétricas, melhora a vida dos fetos quando nascem. Eles não nascem com as sequelas que a cocaína e o crack oferecem.
Em relação ao que temos hoje no tratamento dessas dependências, a vacina também se mostra como uma inovação. Ela vai suprir o uso dos medicamentos ou eles continuam como necessários?
Hoje, no tratamento, a gente usa medicamentos que são inespecíficos. A gente trata sintomas de impulsividade, abstinência, irritação, sono. Não existe nada que seja dirigido para a dependência desse paciente. Então, a vacina é inovadora justamente por isso, porque ela vai impedir a ação da droga. É claro que ela não vai chegar e resolver todos os problemas. Mas ela faz parte de um processo de ruptura dos vícios, ela precisa fazer parte de um programa. Isso porque ela aumenta a chance do paciente se manter em abstinência, o que é muito importante já que o grande problema da dependência é a primeira recaída. Então a gente precisa conseguir evitar isso.
Esse projeto teve algum tipo de financiamento?
Tivemos alguns financiamentos governamentais e a gente agora precisa de mais recursos para transformar isso em uma solução para as pessoas que precisam da vacina.
Quem participou desse projeto e o quanto ele é importante para a universidade?
Esse projeto não é só meu, é de uma equipe muito grande. Tem vários pesquisadores sênior, de vários departamentos da UFMG, uma dezena de alunos de pós-graduação e duas dezenas de estudantes de graduação. O que a gente percebe é que além de trazer um benefício para a sociedade, estamos criando uma cultura de desenvolver medicamentos. A vacina da SpinTec está aí para provar que a UFMG é capaz. O que temos hoje é diferente da cultura que se tinha antes na universidade, em que se formava um especialista na área A e outro na área Z. Hoje não, o estudante é mais completo. Esse é mais um salto de qualidade que está sendo desenvolvido no projeto de formação dentro da UFMG.
Esse reconhecimento e até mesmo os recursos deste prêmio podem colaborar de alguma forma com os estudos da vacina?
Esse prêmio é muito importante porque a gente chegou em uma fase da pesquisa, em que já é possível registrar esse medicamento na Anvisa. Mas a gente precisa fazer as outras etapas exigidas pela agência regulatória, que são os estudos em humanos. A gente acredita que se vencermos esse prêmio teremos recursos suficientes para acelerar esse processo e conseguir fazer a entrega o mais rápido possível.
Fonte: O Tempo