Na edição deste jornal do dia 17 último publicou-se matéria cujo teor é de que a legislação municipal do Patrimônio Cultural não prejudicaria a revitalização do centro da cidade.
Ledo e ainda persistente engano.
A atual legislação municipal referente ao Patrimônio Cultural (Lei 10.717/2008) não só prejudica e impede a revitalização e modernização do Centro como fere frontalmente inúmeras normas constitucionais, notadamente, as que garantem o direito de propriedade e sua inviolabilidade, a igualdade de todos perante a lei, “sem distinção de qualquer natureza” (C. F., artigo 5º, caput e inciso XXII), o devido processo legal (C. F., artigo 5º, incisos LIV e LV, dezenas de proprietários até hoje desconhecem o enorme gravame que pesa sobre seus imóveis), de que o processo de inventariamento de imóveis exige regulamentação infraconstitucional e, ainda e não menos importante, aliás, fundamental, de que a preservação desse patrimônio – que abrange livros, filmes, vídeos, partituras musicais, quadros, esculturas e fotografias e não só imóveis – cabe ao Poder Público (C. F., 216, § 1º), que, com malícia e imposição coercitiva, a tem transferido aos proprietários, oprimindo-os.
Em Uberaba, por força dessa iníqua legislação e sua aplicação, têm-se aproximadamente 150 (cento e cinquenta) imóveis residenciais, incluídos hotéis, além de outros trinta também considerados (equivocadamente) “inventariados” no centro da cidade e na rua Espanha (na rua Espanha!), que, com seus entornos laterais e frontais, atingem o extravagante número de mais de 500 (quinhentos) imóveis totalmente embargados, visto que sobre o entorno recaem também integralmente todas as restrições, ônus, obrigações e violências institucionais destinadas aos ditos “inventariados” (Lei 10.717, artigos 2º, 4º, 33, 38, 41, 45 e 47).
O que significa isso? Quais as nefastas consequências disso?
Inúmeras. Entre elas:
1) Perda do direito de propriedade por parte dos proprietários, que não podem nem alterar, pintar ou demolir seus imóveis sem o consentimento expresso do Conselho de Patrimônio Histórico e Artístico de Uberaba – Conphau, sob pena de embargo, polícia e multas.
2) Obrigação, pelos proprietários, de conservar os imóveis, sob pena de pesadíssimas, extorsivas e aberrantes multas de, pasmem, até 300% (trezentos por cento) do valor de mercado dos imóveis (Lei 10.717, art. 43), além de desapropriação pela Prefeitura (artigo 46, §4º), e sob pena ainda de serem processados pelo Ministério Público, o que ainda ocasiona apreensão e despesas com honorários advocatícios;
3) Retirada dos imóveis do mercado imobiliário, já que dificilmente alguém adquire imóvel considerado inventariado;
4) Desvalorização de no mínimo 70% (setenta por cento) do valor que os imóveis teriam se livres estivessem dessas restrições, ônus e gravames, sendo que três imóveis que nessas últimas décadas foram comercializados (um permaneceu dez anos em oferta) não atingiram nem 1/3 (um terço) do valor que normalmente teriam;
5) Incidência de danos morais e emocionais nos proprietários (a ponto, isso apenas o que até agora se sabe, de um deles ter de recorrer à terapia por vários anos e outro ter chorado em reunião com seus algozes).
Até aí, as consequências diretas advindas aos imóveis e seus proprietários. Mas não só. Sobre a cidade como um todo, pairam consequências não menos graves e danosas, afetando a toda a população que tem de conviver e suportar o acelerado envelhecimento de seu centro urbano.
A indigitada Lei Municipal 10.717/2008 e a própria Prefeitura, por meio do Conphau, que se locupleta com o ICMS cultural à custa da opressão dos proprietários, vêm impedindo a implementação de diversos empreendimentos imobiliários no centro da cidade.
À guisa de exemplos, citem-se: perda de shopping center com dezenas de lojas (e empregos e impostos) no primeiro quarteirão da rua Vigário Silva; perda de hotel e lojas no segundo quarteirão dessa mesma rua, correndo o risco, ainda, de perder shopping vertical ao lado da choperia do Mário, no lugar de imóvel condenado por laudo técnico, mas que o Conphau insiste que o proprietário o mantenha assim mesmo.
*
Há evidência de que outras causas também contribuem para prejudicar o centro da cidade, entre elas os ônibus BRT, a dificuldade de estacionamento, os shoppings e a ocorrência de núcleos comerciais em bairros. Mas dizer que a Lei 10.717 também não atrapalha (e muito) é distorcer os fatos, tentando tapar o sol com peneira.
Nessa questão têm faltado aos preservacionistas (de propriedades dos outros) sensibilidade, humanidade, racionalidade e conhecimento da Constituição e da realidade.
Guido Bilharinho
Advogado em Uberaba e editor das revistas culturais eletrônicas Primax (Arte e Cultura), Nexos (Estudos Regionais) e Silfo (Autores Uberabenses)