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As eleições em Uberaba – Novembro de 1966

Guido Bilharinho
Publicado em 29/06/2024 às 17:44
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A convite do então reitor da Universidade Federal de Minas Gerais, Orlando Magalhães Carvalho, que, com sua equipe, planejou edição da Revista Brasileira de Estudos Políticos nº 23/24, julho 1967, inteiramente dedicado à análise das eleições que se realizaram no país em 1966, o advogado e jurista uberabense Ronaldo Cunha Campos (1930-1987) elaborou o ensaio As Eleições em Uberaba – Novembro de 1966, tornado, de imediato, clássico dos estudos políticos do país.

Além do arrolamento minucioso, exaustivo e estatístico das votações em eleições anteriores, desde 1946, Ronaldo estabeleceu pertinente e sagaz comparação entre as tendências do eleitorado em todos esses pleitos, alvitrando, com proficiência, as causas e motivações que as determinaram.

À precisão terminológica aliou extrema e científica abordagem no levantamento e na análise dessas variantes e seus motivos.

Disso resultou o município obter, no período de 1946 a 1966, não só os quantitativos e percentuais das tendências partidário-eleitorais em pertinentes quadros estatísticos, como também o conhecimento do significado desses resultados para além da simples numerália que o compõe e o caracteriza.

O que se constata, pelo menos nessa época, que abrange o altamente democrático período de 1946 a março de 1964 e as primeiras eleições feridas no pós-64, é a persistência, não obstante extintos os partidos tradicionais, das mesmas tendências eleitorais anteriores nas votações obtidas pelos candidatos do MDB (oposição) e das diversas legendas da ARENA (situação).

Nota-se, no ensaio, a deliberada omissão dos nomes dos candidatos a prefeito e a deputados estaduais e federais, a não ser o fenômeno (por excepcional) da candidatura de Sebastião Pais de Almeida, revelando a perspicácia autoral de enfatizar as tendências partidárias acima das simplesmente pessoais.

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É de se chamar a atenção, ainda, para a alteração do significado do termo “populista” utilizado pelo autor, que deve ser lido hoje como “popular”, já que aquele tomou sentido altamente pejorativo, que, na atual acepção, não reflete o conteúdo programático nem a atuação dos partidos então populares (PTB e PSP) em confronto com os partidos centristas conservadores, representantes das classes dominantes (PSD e UDN), mesmo que aquelas agremiações incidissem eventualmente em vieses populistas.

De outra parte, já é abordado no ensaio o que nele se denomina de “descrédito do Legislativo”. À época, esse descrédito refletia a percepção pelo eleitorado de certa ineficácia da função legiferante, e não de sua representação legislativa (vários de seus integrantes, pelo menos em Uberaba, nas décadas de 1950 e 1960, usufruíam de grande prestígio). É que a legislação do país naquele tempo, em quantidade e principalmente em complexidade, era parca e simples, não se podendo comparar com a advinda em decorrência da Constituição de 1988, não só em nível federal como também nos âmbitos estadual e municipal. Não existiam e nem se cogitavam, ainda, de leis tão abrangentes e tecnicamente sofisticadas, como, no âmbito municipal, por exemplo, as leis orgânicas, planos diretores, leis de parcelamento, uso e ocupação do solo, perímetro urbano e outras mais, não obstante de iniciativa e elaboração dos executivos, porém, sob exame, alterações e aprovação final dos legislativos.

Posteriormente, por isso, a concepção de ineficácia foi substituída por descrédito mesmo, mas não só da função legislativa como então, mas dos legisladores e sua atuação. Talvez nunca, no Brasil, esse descrédito, com o “toma lá dá cá” do Congresso, esteve tão acentuado, atingindo também, em não menor grau, grande parte dos detentores de cargos executivos, mesmo porque eles transitam de uns para outros.

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Já a observação constante de 1.3 a respeito da “sistemática sintonia dos resultados [eleitorais] locais com os globais indica [...] superação, em Uberaba, das estruturas políticas típicas do interior brasileiro”, revelando a persistência da tradição histórica não só do reflexo local dos grandes acontecimentos nacionais como até mesmo divergências de alguns deles em demonstração de independência e autonomia, verificando-se que a participação dos uberabenses foi não só imediata como intensa em inúmeros episódios históricos, a exemplo:

a) Revolta Liberal de 1842, em que até ocorreu a prisão do liberal padre Zeferino pelos líderes conservadores;

b) Recepção à reunião e permanência na cidade por quase dois meses das Forças Expedicionárias que iriam invadir o norte do Paraguai em 1865;

c) Edição por ano e meio, a partir de 21 de abril de 1881, do jornal republicano O Tiradentes;

d) Instalação, em 24 de outubro de 1883, da Sociedade Dramática Abolicionista e, em 27 de abril de 1884, da Sociedade Abolicionista Filhos do Calvário, presidida esta pelo barão da Ponte Alta;

e) Abolição da Escravatura com desfiles pelas ruas e festejos, conquanto a Câmara Municipal tenha silenciado, já que composta de elementos comprometidos, de uma maneira ou de outra, com o statu quo;

f) Fundação do Clube Republicano 20 de Março em reunião no hotel do Comércio, decorrente da estada em Uberaba do conde D’Eu em 20 de março de 1889;

g) Proclamação da República com marche aux flambeaux pelas ruas da cidade, discursos inflamados e imediata substituição da Câmara Municipal pela Junta do Governo Provisório;

h) Eleição Presidencial de 1910, editando-se até o jornal O Civilista, redatoriado por Hildebrando Pontes e Filipe Aché (o fundador do laboratório Aché e, então, médico e político residente em Uberaba);

i) Vitória em Uberaba do candidato Rui Barbosa contra todo o oficialismo que, no entanto, o derrotou no plano nacional;

j) Vitória local de Getúlio Vargas em 01/03/1930 também contra todo o oficialismo, que, todavia, o derrotou nacionalmente;

l) Grande engajamento do povo e dos políticos locais no Movimento de 03 de Outubro de 1930, que levou Getúlio ao poder e, ainda, em decorrência, nos combates em Delta em 1930 e 1932;

m) Participação de mais de oitocentos pracinhas de Uberaba e região na mobilização nacional por ocasião da Segunda Guerra Mundial para vigilância do litoral brasileiro, vários deles integrando a Força Expedicionária Brasileira mandada à Itália.


Guido Bilharinho

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