A Lei Municipal nº 10.717/2008, que regulamenta a preservação de imóveis, a pretexto de terem valor arquitetônico ou algum outro, impondo restrições, obrigações, ônus e até multas (!) aos proprietários, incide em inconstitucionalidades, já que intervém na relação de propriedade entre os indivíduos e seus imóveis, congelando estes e impondo àqueles responsabilidades e ônus para sua conservação e lhes retirando o direito de uso e usufruto ao impedi-los de alterá-los, demoli-los e vendê-los pelo valor de mercado, já que, neste último caso, ao serem tombados ou inventariados, automaticamente se desvalorizam, marginalizando-se e se tornando infensos à comercialização, com isso criando, em duplicidade de tratamento, duas ordens de proprietários ao diferençá-los em relação a seus imóveis.
O artigo 5º da Constituição Federal dispõe que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”
Tal cláusula, por estabelecer princípios e diretiva geral, constitui norma pétrea, não podendo ser objeto de deliberação e proposta de emenda, consoante o estabelecido no disposto no § 4º do artigo 60, prevalecendo sobre qualquer outra estipulação da própria Constituição.
Seu alcance e fundamento são tão amplos e abrangentes, que geralmente seu significado escapa à compreensão daqueles que se limitam a contato e conhecimento ligeiros, descontextualizados de todo o diploma constitucional.
Em todas as circunstâncias é de se verificar previamente se esse princípio basilar não está sendo violado ou conspurcado por outras normas constitucionais e pela legislação infraconstitucional.
Além disso, esse mesmo dispositivo constitucional dispõe “garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade [novamente contemplada], à segurança e à propriedade” (também garantida no disposto no inciso XXII desse mesmo artigo).
Ou seja, é totalmente vedado violar-se (desrespeitar, infringir, transgredir, desobedecer) os citados direitos fundamentais da sociedade brasileira, entre eles os diretamente aplicáveis ao caso em pauta, da igualdade e da propriedade, nada podendo infligi-los, limitá-los ou pretender relativizá-los.
A proposição constitucional que dispõe que “a propriedade atenderá à sua função social” carece de regulamentação, visto que o termo social é amplo e não pode ficar sujeito a interpretações pessoais subjetivas, idiossincráticas e ideológicas, mesmo porque tal “função social” estende-se generalizadamente a todas as propriedades e não a algumas “eleitas” para tal ou qual finalidade.
Por sua vez, a citada lei municipal ainda agride a norma constitucional constante do inciso XXXVI, do aludido artigo 5º, que dispõe que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Os proprietários dos imóveis atingidos pela pretendida preservação (os ditos inventariados, os tombados e seus entornos) são titulares de um “direito adquirido”.
A referida lei municipal faz exatamente isso: prejudica o direito adquirido, limitando-o totalmente ao impor aos proprietários restrições, obrigações, ônus, multas, prejuízos, desvalorizações, marginalização comercial, danos morais e emocionais e variada gama de perdas e danos.
Toda legislação infraconstitucional anterior à Constituição vigente que imponha tais restrições (Decreto-Lei nº 25/1937, por exemplo), encontra-se derrogada e toda norma posterior que a contrarie está irremediavelmente contaminada de inconstitucionalidade, não podendo ser aplicada.
Em consequência, o ato de tombamento e inventariação de imóveis que não conte com a colaboração ou concordância expressa dos proprietários jaz fulminado pela pecha de inconstitucionalidade, concordância esta que, todavia, poderá ser rejeitada posteriormente pelos seus sucessores ao se considerarem prejudicados e em desigualdade com o tratamento dispensado aos demais proprietários.
No caso, além de terem seus imóveis interditados, desvalorizados, engessados e tornados incomercializáveis, os proprietários ainda são responsabilizados diretamente por sua conservação, sob pena de multa(!), nada disso ocorrendo com os que não têm imóveis inventariados.
A discriminação e a desigualdade de tratamento patenteiam-se de plano, à prima facie, criando no país duas ordens de proprietários. Uns, com interdição de seus imóveis acrescida de ônus e responsabilidades. Outros, os demais, livres dessas restrições, prejuízos e encargos. Situação, pois, a dos primeiros, que não pode prevalecer.
Guido Bilharinho
Advogado em Uberaba e editor das revistas culturais eletrônicas Primax (Arte e Cultura), Nexos (Estudos Regionais) e Silfo (Autores Uberabenses)