Hildebrando Pontes foi historiador e polígrafo no sentido de escritor que versa, com competência e propriedade, como é o caso, sobre diversos assuntos.
Além disso, destacou-se como pioneiro no país em inúmeros temas, a exemplo da história do futebol (História do Futebol em Uberaba, de 1922); da história e dos bastidores políticos de um município; da reunião (cronológica, sistemática e minudente) de toda a legislação municipal de uma cidade; de efetuar pessoalmente e elaborar intelectualmente levantamento completo e cabal de todo o sistema fluvial de uma região (todos esses trabalhos compondo capítulos da monumental História de Uberaba e a Civilização no Brasil Central, terminada por volta de 1934), e ainda de pesquisar, anotar, analisar e expor cientificamente um dos dialetos mais expressivos do linguajar brasileiro (Dialeto Capiau, finalizado no início da década de 1930).
Contudo, Hildebrando não foi pioneiro nacional apenas nesses assuntos e nessas questões. Na sua extraordinária capacidade de trabalho e extremada dedicação ao estudo, à pesquisa e ao saber, foi mais, foi além, enveredando, pesquisando e estudando outros temas, sempre relevantes.
Um desses mais – outros ainda poderão ser revelados – consistiu em pesquisar e estudar – à sua maneira, à maneira hildebrânica, justo título – a introdução, a disseminação, a localização e o desenvolvimento posterior de todas as raças bovinas introduzidas ou surgidas no Brasil. Também, como não poderia deixar de ser em se tratando de quem se trata, pioneiramente.
O resultado de tudo isso, desses estudos e do conhecimento adquirido, acumulado e sedimentado de todos seus saberes, não guardou para si. Não foi deles avaro, mas multiplicador, disseminador.
Não se restringiu a apenas pesquisar e estudar para conhecer. Mais do que isso, além disso – já digno de elogio – todo o saber adquirido foi, a seu tempo e modo, vertido em artigos, ensaios e livros para que, transmitido, todos a ele tivessem e tenham oportunidade de acesso e de compartilhamento, dele se assenhoreando.
Assim sempre procedeu, desde quando, em 1897, ainda aluno do legendário Instituto Zootécnico de Uberaba, juntamente com outros colegas, editou a Revista Agrícola.
Assim continuou pela vida afora, produtiva e eficazmente.
Assim fez, também, com seu conhecimento sobre as raças bovinas do Brasil no ensaio, mais que simples artigo, O Que Foi e o Que é o Gado Bovino do Triângulo Mineiro, escrito em 1938, possivelmente publicado antes, porém, mais modernamente, no nº 12, de 1982, da revista Convergência, órgão da ALTM, cujos preciosos originais manuscritos encontram-se no Arquivo Público de Uberaba, muito justamente denominado “Hildebrando de Araújo Pontes”.
Esse trabalho é pioneiro porque, quando foi escrito, praticamente ainda não se tinham os livros sobre a pecuária nacional que anos depois vieram compor e enriquecer a bibliografia brasileira sobre o assunto.
Nesse ensaio, Hildebrando percorre todas as etapas e se refere a todas as raças bovinas que foram introduzidas ou surgidas no Brasil desde os primeiros exemplares vindos, ainda no século XVI, de Portugal e Espanha.
Daí se segue desfile, cronológico e espacial, da chegada e localização das raças minhota ou galega, alentejana, mineira, junqueira ou crioulo, bruxa (gado mais antigo do Triângulo), nilo, china, pedreira, torino, piemontesa, gigante, jaguanês, galante, mocha de Araxá ou araxino, cuiabano (lá chamado camutengo), caiapó, curraleiro (e suas variedades mirandeira, pequena e degenerada), caracu (provável corrutela de Calicut, de onde supunha-se originar essa raça, consistente do cruzamento do junqueira com o curraleiro), durhand, holandês e, finalmente, o zebu!
Diante dessa listagem, cada uma dessas raças minuciosamente descritas em suas origens, desenvolvimento, localização e cruzamentos, é de se indagar: onde e como Hildebrando pôde reunir tanto conhecimento, planejando e aproveitando o tempo, tanto para esse saber como para divulgar incessantemente seus trabalhos em livros, ensaios e artigos?
A introdução do zebu em Uberaba, por exemplo, é apresentada em dois tempos distintos por suas consequências, o que, provavelmente, ninguém sabia, à exceção, evidentemente, dos fazendeiros que participaram dessa então iniciada e futura epopeia, como a denominou o historiador José Mendonça.
Desse primeiro momento, 1875, afirma que “não se tem qualquer notícia dos resultados que porventura as mesmas [as levas de gado] tivessem operado na nossa pecuária bovina. Ao passo que isso não se deu com as levas aqui introduzidas a partir de 1888”, mais à frente confirmando que “o ano de 1888 estava fadado a ser, como foi, o da introdução efetiva e vencedora do zebu no Triângulo”.
Uma das fontes de Hildebrando foi, como indica, os próprios introdutores do zebu na região, tanto em 1875 quanto em 1888, já que, como se sabe, tais atos negociais não eram – e nem necessitavam ser – documentados.
Pelo exposto, verifica-se ser da mais alta relevância e do mais subido valor o manuscrito desse notável ensaio que se acha agasalhado no Arquivo Público de Uberaba.
Guido Bilharinho
Advogado em Uberaba e editor das revistas culturais eletrônicas Primax (Arte e Cultura), Nexos (Estudos Regionais) e Silfo (Autores Uberabenses)