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Muralhas do Pavor – Corman versus Poe

Guido Bilharinho
Publicado em 23/05/2024 às 18:10
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Inúmeros contos de Terror, Mistério e Morte, de Edgar Allan Poe (EE. UU., 1809-1849), servem de argumento para filmes de terror. Roger Corman (1926-2024), falecido aos 98 anos no último dia 9 deste mês, possuidor de extensa filmografia, notabiliza-se principalmente por tais filmes e outros poucos mais, já que a maioria dos que realiza nem são levados em conta, entre outras circunstâncias até por sua absoluta falta de finesse e ausência de sensibilidade.

Dos vários filmes que dirige com base ou inspirados em contos de Poe, costuma-se ressaltar A Orgia da Morte (The Masque of the Red Death, EE. UU., 1963) como o mais bem elaborado.

Muralhas do Pavor (Tales of Terror, EE.UU., 1962), outro desses filmes, divide-se em três episódios distintos, baseados, por sua vez, em cinco contos de Poe. O primeiro deles, “Morela”, alicerça-se no conto de igual denominação e em “Ligeia”; o segundo episódio, em “O Gato Preto” e “O Barril de Amontillado” e, finalmente, o último, apenas em “O Estranho Caso do Sr. Valdemar”.

Todavia, tanto nas fusões dos dois primeiros como na singularidade do último, Corman introduz várias modificações destinadas a atender às necessidades comerciais de suas realizações.

Contudo, esse, a exemplo dos demais filmes de Corman estribados em Poe, é de assistência obrigatória. Claro, mais ou quase tão somente por Poe. A alta qualidade de seus contos, malgrado a limitação da técnica ficcional, geralmente baseada em narração do próprio protagonista da estória, constitui motivo, senão de interesse, pelo menos de curiosidade.

O que Corman faz em Muralhas do Pavor é apenas inspirar-se nas estórias e tentar, no décor, enquadrá-las no contexto de mistério e na atmosfera obsedante e estranha criada pelo escritor. Evidentemente, não consegue, já que sua preocupação é conquistar e agradar ao público apenas curioso por estórias de mistério e terror.

Materialmente, no entanto, funciona o décor onde transitam as fusões e alterações introduzidas nas estórias originais, constituindo-se, por si só, elemento de atração. Mas, só isso, eis que Cormam restringe-se apenas a tentar reconstituir o background social e arquitetônico no qual agem as personagens poescas.

O “clima” e a ambiência terrorífica ou misteriosa que jazem por trás das ações das personagens e dos acontecimentos, em que se enredam (ou são enredadas), não são captados e recriados pelo cineasta. O filme não tem, pois, qualquer criatividade própria, conquanto não deixe de ser feito com competência técnica em seu extremado convencionalismo cinematográfico.

As fusões de estórias e as alterações introduzidas pelo diretor apenas obedecem às exigências desse convencionalismo. Não enriquecem nem interpretam o original. Pelo contrário, além de deturpá-lo consideravelmente, empobrecem ou eliminam totalmente o significado e as elisões propositadamente deixadas pendentes por Poe.

De todo modo, é compensador assistir ao filme para se ter oportunidade e motivação para se ler ou reler tais contos, o que enseja o cotejo entre eles e os episódios do filme, em que se confrontam o possivelmente maior gênio estadunidense de todos os tempos e cineasta apenas competente. Aliás, esse o grande e talvez seu único mérito, já que, no mais, não passa de habilidoso passatempo realizado para satisfazer os aficionados do gênero, e não os interessados em sua estética cinematográfica.

É de se ressaltar, contudo, que o núcleo desse interesse reside na narrativa poesca, no poder emanado de sua fabulação inusitada e estranha, criadora de mundo paralelo ao cotidiano usual, em que forças íncubas e misteriosas governam personagens dominadas por terríveis impulsos.

Em suma, universo que retrata e reflete a captação e fixação em termos literários da materialização do mal sobre a terra, no ressurgimento de atávicos, recônditos e milenares medos e pavores do homem primitivo, mantidos nos escaninhos mais esconsos do inconsciente e do subconsciente humano.

 Guido Bilharinho

Advogado em Uberaba e editor das revistas culturais eletrônicas Primax (Arte e Cultura), Nexos (Estudos Regionais) e Silfo (Autores Uberabenses) e autor de livros de literatura, história e cinema

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