Conquanto se mencione o nome de Edgar Allan Poe na ficha técnica ou letreiros do filme O Castelo Assombrado (The Haunted Palace, EE.UU., 1963), de Roger Corman (1926-2024), recentemente falecido, o filme não se baseia em nenhum de seus contos.
Apenas algumas das características do protagonista encontram referências passageiras em “Uma Estória das Montanhas Ragged” (A Tale of the Ragged Mountains), publicado pela primeira vez em 1844.
É o caso, por exemplo, do narrador afirmar, a respeito de outra personagem, “que pouco me custaria imaginar que ele tinha um século de idade”, que era “estranhamente alto e magro”, nada mais havendo, mesmo longinquamente, de aproximado no filme com o referido conto.
É possível, ainda, que outras sugestões de Poe, hauridas ao longo de sua obra, tenham inspirado pormenores da trama, extraída, contudo, de narrativa de H.P. Lovecraft (1890-1937), autor, por sua vez, bastante influenciado pela obra de Poe, daí decorrendo a semelhança.
O fato é que seu entrecho trata de vingança, morte, metempsicose, necromancia e outras concepções e crenças milenares advindas da magia negra e do culto ao demônio. Há nele, pois, de tudo um pouco.
Como filme, não passa de narrativa convencional e linear de estranhas ocorrências em perdida cidadezinha da Nova Inglaterra, cuja população carrega a culpa de assassinato e o temor da maldição dele derivada.
Contudo, essa atmosfera obsedante não se configura com verossimilhança e consistência, escorrendo os acontecimentos um tanto rapidamente, em contínuo atropelo, sucedendo-se, é verdade, encadeada e consequentemente, o que, aliás, é o mínimo a se exigir em qualquer narrativa do gênero.
Os atributos desse filme, que os tem, mesmo que mínimos, são iguais aos encontrados em O Solar Maldito (House of Usher, EE.UU., 1960), isto é, atiladas e seguras direção e desempenho de Vincent Price e apropriados e singularizados décors e paisagens.
As transformações de personalidade operadas no filme, ora num sentido (uma personagem) ora noutro (personagem diversa), são eficazmente procedidas e, por isso, nitidamente manifestadas e percebidas. Circunstância, essa, básica e estrutural no contexto ficcional, que, por sua vez, demonstra que vingança e represália são contraproducentes, sempre se voltando também contra seus autores, cuja fragilidade emocional, no entanto, os lança ao cometimento de atos dessa natureza.
Os décors, tanto da taverna O Homem em Chamas, onde se reuniam os homens de Arkham, a cidadezinha, quanto os do formidável (inclusive no sentido etimológico do termo) castelo que a domina da colina onde se ergue, valem por si como espetáculo visual independentemente dos dramas e tragédias que assolam seus habitantes.
As locações externas pautam-se pelo mesmo diapasão, não obstante estereótipos de cemitérios e paisagens nevoentas (recorrentes, aliás, nos Contos de Terror, de Mistério e de Morte, de Poe), constituindo também singulares espetáculos visuais, uma das características de muitos dos filmes de Corman.
Tanto nuns (contos poescos) quanto noutros (os filmes de Corman), outra das atrações é a curiosidade acicatada pelas estórias, que, dado seu estranhamento, particularidades e detalhamentos, despertam interesse. Em Poe e Lovecraft, referendado e fundamentado também pela qualidade literária. Em Corman, apenas pelas características acima mencionadas, que, de qualquer modo, colocam em destaque vários de seus filmes.
Guido Bilharinho
Advogado em Uberaba e editor das revistas culturais eletrônicas Primax (Arte e Cultura), Nexos (Estudos Regionais) e Silfo (Autores Uberabenses) e autor de livros de literatura, história e cinema