ARTICULISTAS

Vovó Alba e a catarata

Heloisa Helena Valladares Ribeiro
Publicado em 22/06/2024 às 17:39
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Dona Alba tem 85 janeiros e sempre foi uma senhora muito ativa; tem quatro filhos, sete netos e três bisnetos. Foi professora, despachante e advogada, tendo se formado em 1975. É viúva de Alaor Ribeiro, que foi militar e advogado. A terceira bisneta, Helena, tem dois anos e todos os dias passeia pela casa, que é espaçosa, com um amplo quintal, procurando o Bolinha, o “au-au” com 17 janeiros, passa as mãozinhas nele, fazendo carinho. Nos fundos da propriedade tem uma pequena oficina de “isca de pesca” e sempre Helena vai até lá para ver o tio Carlim e ouvir sua voz.

Helena está demorando a falar e mamis acha que é por causa do celular. Durante o exercício de esteira na academia, conheci uma fonoaudióloga, contei sobre a sobrinha-neta, o que mamãe pensa sobre as crianças que estão demorando a falar e, pasmem, a bisa tem razão. Márcia me respondeu que os pais não sentam, não brincam, não cantam mais para as crianças e por isso elas demoram a desenvolver a fala. Ao contrário da bisa Alba, que canta, dança e brinca com a bisneta, na medida de suas forças.

Ultimamente, está preocupada com sua visão. Não gosta de médico, mas pediu para vê-lo, pois quer usar óculos. Ao realizar os exames no consultório do doutor Carlos, foi reconhecida a catarata, tendo sido pedidos exames específicos para melhor avaliação. Foi atestada de forma transparente a sua baixa visão.

No sentido oftalmológico, catarata é a opacidade parcial ou total do cristalino ou de sua cápsula. Mamis enxerga pouco; para melhorar, ela tampa um olho. A visão direita é a mais prejudicada, devido à catarata. No dicionário médico, catarata é o embaçamento (opacidade) do cristalino, que provoca perda progressiva e indolor da visão. A visão pode ficar embaçada, perder o contraste e serem visíveis halos em torno de luzes.

Pois muito bem, mamis quer usar colírio, óculos, mas não fazer cirurgia. A octogenária diz que seu coração não está pedindo pra fazer a cirurgia, e o doutor responde: faremos quando o seu coração permitir. Isto eu chamo de benevolência.

Como faz falta o companheiro, mamis sempre fala que é mulher de soldado; que tem oitenta e cinco anos, o que não é bolim não; transmite-nos lições maravilhosas de sabedoria. Com certeza, irá fazer a cirurgia; a questão é esperarmos, confiar em Deus e agradecer, porque tudo concorre para o bem.

Devido à sua idade, mamãe tem medo de tomar uma decisão simples, que é fazer a cirurgia de catarata. Sabemos que tão importante quanto o ar que respiramos é a nossa visão. A Sociedade de Geriatria e Gerontologia de São Paulo (SBGG-SP) pesquisou que o maior medo do idoso brasileiro é a solidão. Mamãe há dezessete anos se tornou viúva e lembra o último dia que esteve ao lado de papai como se fosse hoje, com muita emotividade. Naquela época, tinha 68 anos, e aos poucos foi envelhecendo. Difícil é reconhecer as cicatrizes que a vida tatua na alma de nossos pais. Mamãe venceu a pandemia sem contrair o coronavírus, isso é um milagre, sendo importante vencer mais esse desafio, a cirurgia de catarata.

Cito o poema de Carlos Drummond de Andrade que, para mim, é ainda atual: “No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho... Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra”. Aquela linda mulher de cabelos vermelhos, bem vestida, doutora Alba, hoje com cabelos brancos, é ainda emotiva, canta muito, adora companhia e quer ser feliz, por isso, acredito, entrego e agradeço.


 

Heloisa Helena Valladares Ribeiro

Membro do IBDFAM

@heloisa1704

@valladaresribeiro.advogados


 

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