Dados da Secretaria Estadual de Saúde mostram perfil das vítimas e reforçam a necessidade de ampliar ações de prevenção em Uberaba
De janeiro a agosto de 2025, 156 tentativas de suicídio foram notificadas em Uberaba, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde (Foto/Reprodução)
De janeiro a agosto de 2025, 156 tentativas de suicídio foram notificadas em Uberaba, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde. A maioria envolve mulheres jovens, pardas, entre 20 e 39 anos. Já os 27 óbitos por autoextermínio registrados no período ocorrem, em sua maioria, entre homens brancos, adultos e idosos.
“Quando alguém tenta ou comete suicídio, o que ela quer não é acabar com a vida, mas com a dor. Com o sofrimento que ninguém vê”, explica o psicólogo Sérgio Marçal, diretor de Atenção Psicossocial da Secretaria Municipal de Saúde. Para ele, falar sobre suicídio é falar sobre sofrimento psíquico e como ele pode se agravar quando não é cuidado no tempo certo. Sérgio compara o processo ao desenvolvimento de uma doença física: “Um pico de pressão pode ser um evento isolado. Mas se ele se repete e não é tratado, vira hipertensão, que pode levar a um infarto. Com a saúde mental é a mesma coisa.”
As estatísticas mostram que as mulheres representam mais de 75% das tentativas, enquanto os homens estão mais presentes entre os óbitos consumados. Isso, segundo o psicólogo, se explica pelos meios utilizados: as mulheres tendem a usar métodos menos letais e, portanto, têm mais chance de sobrevivência. Já os homens recorrem com mais frequência a armas de fogo, enforcamento e saltos de altura.
Entre as vítimas fatais, havia donas de casa e estudantes, revelando como o sofrimento pode se esconder em papéis sociais vistos como naturais. Além disso, a faixa entre 20 e 39 anos concentra quase metade das tentativas. “Vivemos uma cultura que valoriza o desempenho, a produtividade, a força. Quem não corresponde a esse modelo, sente que está falhando. Jovens e adultos, muitas vezes despreparados para lidar com frustrações e cobranças, vivem um esmagamento emocional que leva ao adoecimento”, afirma Sérgio.
Outro dado importante é o crescimento de suicídios entre os idosos, especialmente homens acima de 60 anos. “Estamos vivendo mais, mas nem sempre com qualidade. Muitos idosos enfrentam solidão, perdas, aposentadoria e um sentimento de inutilidade. Isso pode levar à depressão, ao uso de drogas e, infelizmente, ao suicídio. São fugas de uma realidade que se tornou insuportável”, pontua.
O recorte racial também mostra desigualdades: entre as tentativas, pessoas pardas são maioria. Já entre os óbitos, há prevalência de brancos – 53% entre os homens e 75% entre as mulheres. “Isso reflete o impacto da desigualdade social no adoecimento. Pessoas negras e pardas muitas vezes não têm acesso à informação, ao cuidado, ao tratamento adequado. É uma questão de saúde coletiva”, reforça Sérgio.
Além dos números, há o impacto silencioso sobre quem fica. “Quando alguém se mata, muitas vezes a família nem fala o que aconteceu. Existe ainda muito estigma em torno do suicídio, e isso aumenta a dor. Prevenir passa por educação emocional, por falar do sofrimento, por ensinar que errar é parte da vida, que não estar bem o tempo todo é normal – e que buscar ajuda é necessário”, afirma.
Neste mês de setembro, o Setor de Atenção Psicossocial da Secretaria Municipal de Saúde realiza ações educativas em unidades de saúde, feiras e um seminário aberto à população, reforçando que a saúde mental faz parte da saúde como um todo.
A mensagem final é clara: não enfrente isso sozinho. “Se a dor está constante, se a angústia não passa, se o isolamento virou rotina, isso é um sinal de alerta”, diz Sérgio. “Não faz sentido sobreviver à dor em silêncio. Há recursos, há profissionais, há formas de recomeçar. E viver com qualidade é muito mais do que simplesmente seguir em frente. É saber que existe vida depois do sofrimento. E que ela vale a pena.”