Avanços no tratamento do HIV reduziram o medo, mas abandono do preservativo fez crescer número de doenças
Uso da camisinha caiu nos últimos anos (Foto/Grinvalds/Divulgação)
A tentativa de prevenir uma gravidez indesejada ou evitar a propagação de doenças sexualmente transmissíveis remonta aos primórdios da humanidade. Há registros na história de que os chineses foram os primeiros a criar uma versão de preservativo feita de papel de seda envolto em óleo e de que as mulheres egípcias, cerca de 1.000 anos antes de Cristo, colocavam em suas vaginas produtos como fezes de crocodilos para matar os espermatozoides.
O tempo passou, a tecnologia avançou, e o preservativo tal qual conhecemos hoje, feito primordialmente de látex, representou a principal barreira que impediu o avanço da aids, doença causada pelo vírus HIV e que dizimou a vida de quase 45 milhões de pessoas ao redor do mundo desde a sua descoberta, na década de 1980.
Pouco mais de 40 anos após o primeiro registro de morte de um brasileiro em decorrência da doença – o estilista mineiro Markito, em 4 de junho de 1983 –, o método mais eficaz de prevenção parece ter sido esquecido pelos jovens. Relatório publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2024 revelou “um declínio alarmante no uso de preservativos entre adolescentes”.
O estudo entrevistou 242 mil jovens de 15 anos, em 42 países e regiões, entre 2014 e 2022, e demonstrou que a proporção de adolescentes sexualmente ativos que usaram preservativo na última relação sexual caiu de 70% para 61% entre os meninos e de 63% para 57% entre as meninas. No Brasil, a situação se repete. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2023 indicam que 59% dos brasileiros acima de 18 anos declararam não usar preservativo nenhuma vez em relações sexuais.
Como consequência, o número de infecções sexualmente transmissíveis aumentou. A sífilis, por exemplo, tinha uma taxa de ocorrência de 59,1 casos a cada 100 mil habitantes em 2019. Dois anos depois, essa contagem subiu para 78,5, segundo o Ministério da Saúde.
Outro exemplo é a transmissão do HIV no país, que aumentou de 38.222 casos em 2023 para 39.216 detecções no ano passado, conforme o Boletim Epidemiológico HIV e Aids 2025, divulgado pela pasta da Saúde no início deste mês. Alguns fatores explicam a redução do uso de camisinha entre os mais jovens, e o principal deles está na mudança no panorama do tratamento da aids, evidencia o médico infectologista Cristiano Galvão.
“Nas décadas de 1980 e 1990, o diagnóstico de HIV era visto praticamente como sentença de morte. Diante disso, o uso do preservativo acabou se tornando quase um símbolo de sobrevivência. Hoje, 40 anos depois, com o nível de tratamento alcançado, a realidade é outra. As pessoas recebem o diagnóstico, fazem tratamento e levam uma vida normal. Com isso, o risco do HIV passou a ser encarado como algo controlável, o que diminuiu a percepção de perigo”, destaca.
Além disso, ele indica outro fator relevante: as gerações mais jovens associam o preservativo mais ao impedimento de uma gravidez do que à prevenção a infecções. “Com o acesso atual a métodos como pílulas, implantes e DIU, muitos casais acabam abandonando o uso do preservativo, pensando apenas na gravidez e esquecendo que ele também é um meio eficaz de prevenção contra as ISTs”, aponta.
Veja os tratamentos de prevenção e pós-exposição
Atualmente, existem dois tipos de prevenção e tratamento muito eficazes contra a transmissão do HIV: a PEP (Profilaxia Pós-Exposição), medida de emergência que utiliza medicamentos para reduzir o risco de infecção por HIV e outras ISTs; e a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição), medicamento de uso preventivo para reduzir o risco de infecção pelo HIV.
Somam-se a isso alguns mitos sobre o uso da camisinha. “Existe uma crença de que a camisinha prejudica a ereção. Somos extremamente influenciáveis pela ansiedade e, se a pessoa já está tensa antes mesmo de colocar o preservativo, vai para o sexo com medo de falhar”, diz a sexóloga Renata Dietze.
Outro equívoco é associar o uso do preservativo à desconfiança dentro do relacionamento. “Muita gente relaciona o cuidado à falta de fidelidade, como se, ao confiar no parceiro, não fosse mais necessário cuidar de si”, alerta.
As vantagens da camisinha feminina
Uma das queixas mais frequentes em relação ao uso da camisinha é a ideia de que ela “corta o clima” da relação sexual, já que exige uma pausa durante as preliminares. Para esse tipo de argumento, a camisinha feminina é a melhor solução. Ela pode ser inserida na vagina com até oito horas de antecedência ao ato sexual e possui maior quantidade de lubrificante.
Mas as vantagens não param por aí. A camisinha feminina pode oferecer ainda mais proteção contra as infecções sexualmente transmissíveis. “Isso porque ela cobre uma área maior, protegendo não apenas o interior da vagina, mas também a vulva, reduzindo o contato com secreções”, acentua o médico infectologista Cristiano Galvão. Além disso, o contraceptivo é mais fino e possui um anel flexível que massageia o clitóris, o que pode elevar o nível de prazer nas mulheres.
Distribuída gratuitamente pelo SUS, a camisinha feminina é uma espécie de bolsa feita com poliuretano, material mais fino que o látex do preservativo masculino. Com 15 centímetros de comprimento e oito de diâmetro, ela possui dois anéis, um em cada ponta, sendo que o da extremidade fechada é feito para guiar até o fundo da vagina e o outro cobre toda a vulva.
“Uma outra grande vantagem é que o esperma não corre o risco de escapar da camisinha para a vagina”, enfatiza a sexóloga Renata Dietze. Outra vantagem enumerada pelo médico é em relação à autonomia feminina. “A mulher não precisa depender do parceiro ou pedir que ele use a camisinha. Com isso, passa a ter controle direto sobre a prevenção e o cuidado com o próprio corpo”, sublinha o especialista.
Fonte: O Tempo