Cenário interno e externo levaram Lula a resgatar pautas 'esquecidas' da esquerda (Foto/Ricardo Stuckert/PR)
Apesar das tensões geradas no governo, as recentes crises nas relações com o Congresso Nacional e com o governo dos Estados Unidos trouxeram uma janela para o Palácio do Planalto retomar ao menos parte da narrativa sobre pautas históricas para o PT e para a esquerda.
Antes visto como “perdido” em suas estratégias de comunicação e com popularidade em queda, o governo Lula passou a explorar temas de apelo popular em seus discursos, inclusive nas redes sociais. E pela primeira vez desde o fim de 2024, o presidente ensaia estancar sua desaprovação popular.
O ponto de inflexão na narrativa governista foi o embate com o Poder Legislativo em torno do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), com a derrubada, pelo Congresso, do decreto que reajusta o IOF. A votação gerou publicações em apoio a Lula e críticas aos parlamentares, com termos como “Congresso da mamata” e “Hugo Motta [presidente da Câmara] traidor” em alta.
O coro foi reforçado após Lula e ministros terem indicado, em entrevistas, que Motta teria descumprido um acordo feito com o governo pelo pacote alternativo ao IOF e que deputados e senadores estariam agindo sob lobby de empresários e de setores como as casas de apostas esportivas.
A partir daí, foi levantada nas redes a defesa de pautas como o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda com a taxação dos “super-ricos” e o fim da escala de trabalho 6x1 para reforçar a narrativa de que o Congresso trava pautas populares defendidas pelo governo e, assim, estaria agindo para defender privilégios.
Dessa maneira, o discurso “pobres contra ricos”, que levanta a bandeira histórica da luta de classes, tem reanimado a esquerda. Para parte dos apoiadores de Lula, as últimas semanas marcaram uma reconexão entre o presidente e sua base mais tradicional.
Por outro lado, aliados ao centro temem o risco de que isso amplie a indisposição do Congresso com pautas de interesse do Planalto. Tendo isso em vista, ministros do governo Lula já foram a público defender Hugo Motta de ataques e distanciar, do ponto de vista institucional, o governo de uma “guerra” contra o Legislativo.
Segundo pesquisa da Quaest divulgada na quarta-feira (16), 53% das pessoas consideram que o discurso “ricos contra pobres” não é correto por ampliar a chance de conflitos e a polarização no país. Já 38% acham que esse tipo de discurso político está correto.
Tarifaço trouxe outra face do discurso
As tarifas de 50% impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aos produtos brasileiros fizeram Lula resgatar os discursos da soberania nacional e do antiimperialismo, com um pitada de antiamericanismo, comum à esquerda mais tradicional.
Ao rebater os argumentos de Trump e repetir mantras como “o Brasil é dos brasileiros” e “o Pix é nosso”, o petista reforça uma retórica nacionalista, mas em sentido oposto ao nacionalismo propagado pela direita bolsonarista. Além disso, improvisos nos discursos do presidente, que já lhe renderam gafes, são bem vistos nesse assunto e os resultados têm sido positivos na visão da comunicação do governo.
Para aliados do presidente, uma das chaves para Lula manter o bom momento nas pesquisas é aliar, no tom certo, o discurso da soberania com o da “justiça tributária”. Mas ressaltam que para o efeito ser duradouro, é preciso que a população passe a sentir uma melhoria real no cenário econômico do país.
Fonte: O Tempo