Vice-governador, Mateus Simões já subiu a montanha com o grupo (Foto/Reprodução Instagram/@mateus.simoesmg)
Um movimento voltado exclusivamente para homens cristãos e que promove atividades físicas intensas ao ar livre com a promessa de ajudar seus adeptos a “encontrar a melhor versão de si mesmos e seu novo potencial” tem despertado o interesse de políticos mineiros – de vereadores ao vice-governador do Estado. As referências ao grupo Legendários, que chegou ao Brasil dois anos após ter sido fundado, na Guatemala, em 2015, já apareceram, por exemplo, durante a posse de um prefeito, em cerimônia na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e até em projetos de lei.
O prefeito de Divinópolis, Gleidson Azevedo (Novo), é um dos que mais verbalizam sua presença no movimento. Em 1º de janeiro deste ano, ele tomou posse para o segundo mandato com o uniforme laranja do grupo e levou mais de 15 legendários para a cerimônia na Câmara Municipal da cidade. Na ocasião, foi entoado o lema do movimento, que inclui trechos como: “O que somos? Homens inquebrantáveis! Para que estamos aqui? Para fazer história! A serviço de quem? Jesus!”.
A O TEMPO, Gleidson explicou que fez referências ao Legendários durante a posse para “espalhar a palavra”. “Para Jesus voltar, o Evangelho tem que ser propagado”, justificou o prefeito, que comemorou a repercussão nas redes sociais. “Pensei: ‘vou colocar a farda e chamar os legendários, porque tenho certeza de que isso vai movimentar as redes e muita gente que não conhece o grupo vai perguntar o que é’. E graças a Deus acertei”, disse.
O lema do Legendários também foi entoado na ALMG em outubro de 2024, quando o grupo foi homenageado em uma cerimônia promovida pelo deputado estadual Charles Santos (Republicanos). Na ocasião, o deputado Zé Laviola (Novo) e o ex-deputado estadual João Leite (PSDB) compuseram a mesa usando o uniforme do grupo.
Deputado por sete mandatos consecutivos, de 1995 a 2022, João Leite relata que decidiu participar do movimento por ter servido no Batalhão de Montanha do Exército e por ter visto na iniciativa uma oportunidade de “ouvir mais de Jesus” – a quem o movimento chama de “legendário número 1”. Tanto Leite quanto Gleidson dizem que o movimento ajuda no fortalecimento da família e garantem não ver ligação do grupo com a política.
O vice-governador e pré-candidato ao governo de Minas, Mateus Simões (Novo), é outro político que já “subiu a montanha”. Em janeiro deste ano, ele publicou uma foto para relembrar a experiência e declarou: “Não foi sobre resistência, foi sobre encontrar a forma de falar com Jesus, ou melhor, a forma de ouvi-lo. Feliz talvez não seja exatamente a palavra, mas realizado, por me sentir mais completo e me tornar o legendário 70.079”, disse na ocasião, em referência ao número que recebeu após a imersão com o grupo. Procurado pela reportagem para comentar sobre o momento, o vice-governador do Estado não se manifestou.
Avanço entre agentes públicos gera debate sobre Estado laico
O avanço do movimento Legendários entre representantes do poder público provoca reações em meio a especialistas em política, religião e direitos humanos. Para o sociólogo Jorge Alves, integrante do Movimento Nacional Fé e Política, o reconhecimento institucional do grupo, por meio de leis e homenagens públicas, ameaça o Estado laico e a pluralidade democrática. “O problema não está apenas na criação de uma data comemorativa. Está na simbologia de conceder a um grupo religioso, voltado exclusivamente para homens, um espaço de legitimidade estatal”, explica.
“O Legendários é parte de uma política identitária conservadora. Eles disputam valores e moralidade com base em uma ideia de masculinidade que rejeita o pluralismo e instrumentaliza a fé para fins de poder. Quando o Estado chancela isso com leis, o que está em jogo é o próprio princípio de neutralidade da coisa pública”, argumenta.
Já o cientista político Adriano Cerqueira não vê incompatibilidade entre a criação dessas datas e o Estado laico, mas concorda que o avanço institucional do movimento pode ser entendido como reflexo do crescimento de valores conservadores no país. “Um Estado laico não é um Estado ateu. Ele permite que expressões religiosas diversas prosperem e ganhem espaço no calendário oficial, desde que respeitem o pluralismo”, analisa Cerqueira.
Ambos os especialistas concordam que o Legendários atrai políticos interessados em dialogar com cristãos que se sentem representados por mensagens de fé e liderança familiar. Alves, porém, alerta para os riscos: “É preciso distinguir espiritualidade de projeto político. Quando o Estado celebra a identidade de um grupo, mas silencia sobre a de outros, ele não é neutro. Ele toma partido”, conclui o sociólogo. (Mariana Cavalcanti)
Calendário oficial
Os Estados do Paraná e do Mato Grosso instituíram, por lei, a data de 23 de julho como Dia dos Legendários. Já existe na Assembleia um projeto para incluir a data no calendário oficial de Minas. Em BH, o projeto do vereador Wanderley Porto (PRD) para incluir o dia no calendário da cidade foi aprovado e agora aguarda veto ou sanção do prefeito Álvaro Damião (União).
Curiosidades
O movimento tem cerca de 52 mil participantes em 13 países. No Brasil, há pouco mais de 10 mil membros, conforme o site do grupo.
Para subir a montanha, cada legendário paga cerca de R$ 1.500. Os participantes ficam incomunicáveis. Eles se identificam como cristãos e podem ser de igrejas diferentes.
Levar a Bíblia é requisito obrigatório.
Foco no eleitor conservador
O cientista político Adriano Cerqueira considera que a popularidade do Legendários em atividades do Parlamento é sintoma de uma transformação mais ampla: a consolidação de um eleitorado cristão e conservador, que busca maior protagonismo institucional. “Há uma mudança cultural que foi captada por parte da classe política. O Legendários tem força porque se conecta a homens que buscam no discurso religioso a reafirmação do seu papel como provedores e líderes da família”, avalia o pesquisador.
Fonte: O Tempo