Uberaba vem enfrentando um período contínuo de redução das chuvas. De acordo com a climatologista Alcione Wagner, o acumulado dos últimos três anos mostra um déficit de 16% em relação ao volume esperado para o município. O quadro, segundo ela, já impacta o ciclo agrícola e tende a se agravar caso os fatores climáticos e ambientais que influenciam o regime de chuvas não mudem. O cenário futuro é ainda mais crítico, com previsão de redução de até 40% das chuvas na região central do país na próxima década.
Em entrevista ao programa Pingo do J, da Rádio JM, Alcione explica que, apesar de 2025 ter registrado chuva em todos os meses, dentro da média esperada para o período seco, o volume tem sido insuficiente para garantir o desenvolvimento adequado das lavouras. De acordo com ela, as precipitações têm ocorrido de forma irregular, com baixos acumulados e longos intervalos entre um episódio e outro.
“Aquele pacote de chuva em grande quantidade não está ocorrendo. Os últimos três anos, quando a gente soma o acumulado do ano e compara com o que seria o normal climatológico, já está chovendo 16% a menos. Há uma previsão que nos próximos dez anos, essa região central do Brasil vai chover 40% a menos”, pontua. A climatologista ainda lembra que 2024 foi ainda pior: “Parou de chover em 23 de abril e só voltou em outubro. Não teve uma gota registrada em cinco meses”.
Um dos fatores que influenciaram o comportamento recente das chuvas é a mudança inesperada do cenário climático global. A previsão era de neutralidade até dezembro, mas a atmosfera se reorganizou rapidamente e o Pacífico Equatorial resfriou, instalando o fenômeno La Niña, que altera ventos, umidade e temperatura. “A atmosfera é muito dinâmica. Qualquer mudança muda todo o quadro”, explica Alcione.
Outro ponto crítico analisado pela especialista é a temperatura das águas do Atlântico Sul, que está abaixo do normal — efeito também ligado à La Niña. Com o oceano mais frio, há menos evaporação e, consequentemente, menor oferta de umidade para formar chuvas. Os modelos, porém, indicam que o Atlântico deve aquecer nas próximas semanas, permitindo a retomada do fluxo de umidade da Região Norte, formado pelos chamados “rios voadores”.
A climatologista reforça a importância da Amazônia no regime de chuvas do Sudeste. Ela alerta que o processo de savanização da floresta, já detectado em algumas áreas, pode comprometer de vez a chegada de umidade à região. “Se virar savana, para nós não terá chuva. Por isso a preservação da Amazônia é fundamental”, destacou.
Impactos no campo e atraso no plantio
Os atrasos no retorno consistente das chuvas já preocupam produtores rurais. Parte das lavouras plantadas no início da estação não se desenvolveu, exigindo replantio, o que compromete a colheita e impacta diretamente a chamada safrinha, que pode até deixar de ocorrer. “Esse atraso já vem de alguns anos. Antes se plantava na segunda quinzena de setembro. Agora está empurrando para outubro e, mesmo assim, a chuva não vem no volume esperado”, explicou.
A partir de 21 de dezembro, Alcione prevê um verão diferente dos mais recentes. Com a atuação da La Niña, o padrão deve ser de temperaturas mais amenas e maior entrada de frentes frias, ao contrário do calor extremo típico de anos dominados pelo El Niño. A especialista reforça que o cenário atual é resultado de múltiplos fatores atmosféricos e oceânicos e que o monitoramento constante é essencial.