INVESTIGAÇÃO

Como o etanol combustível adulterado com metanol foi parar em garrafas e como falsificadores lucram

Polícia aponta que origem da contaminação de bebidas com substância tóxica esteja na compra, por falsificadores, de álcool alterado em postos

Nubya Oliveira/O Tempo
Publicado em 15/10/2025 às 08:01
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Diversos casos suspeitos de intoxicação por metanol após consumir bebidas alcoólicas foram identificados no país (Foto/Getty Images/iStockphoto)

As investigações a respeito do surto de intoxicação por metanol seguem em curso no Brasil. Nesta terça-feira (14/10), a Polícia Civil de São Paulo cumpre 20 mandados de busca em oito cidades do estado. Nessa segunda-feira (13/10), o Ministério da Saúde divulgou que os casos confirmados de contaminação após consumo de bebidas alcoólicas subiram para 32. O governo ainda investiga a suspeita da substância no organismo de 181 pacientes que apresentaram sintomas.

Na última sexta-feira (10/10), a Secretaria de Segurança Pública informou que há uma forte suspeita de que a contaminação das bebidas com metanol tenha se originado da compra, por falsificadores, de etanol combustível adulterado com a substância. A pasta também apura o possível envolvimento do Primeiro Comando da Capital (PCC), organização investigada por adulteração de combustíveis e lavagem de dinheiro em postos de gasolina.

Em entrevista coletiva na última sexta-feira (10/10), o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, afirmou: “Os casos que vieram à tona apresentam alta concentração de metanol, encontrado nesse etanol de um posto de combustível, que foi utilizado para adulteração da bebida. A nossa linha de investigação é essa. Ou seja, o crime organizado adulterava o etanol para lucrar, e esse etanol contaminado acabou sendo usado por falsificadores de bebidas”. 

Como o metanol é usado legalmente e por que está disponível

Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o metanol não é produzido no Brasil e todo o produto que circula no país é importado; apenas empresas com autorização do órgão podem comprá-lo. Por ser insumo industrial, usado na fabricação de formaldeído, ácido acético, tintas, solventes, plásticos e na produção de biodiesel, a sua venda não é proibida desde que tenha origem comprovada. Em marketplaces é até possível encontrar pequenas quantidades (galões de 1 ou 5 litros).

Por que criminosos adicionam metanol às bebidas

A principal motivação é econômica. O metanol é, em muitos casos, mais barato de fabricar e carrega uma carga tributária bem menor do que os combustíveis automotivos ou produtos destinados ao consumo. Além disso, sua presença é de difícil detecção sem análise laboratorial, o que facilita a adulteração para aumentar, de forma barata, o teor alcoólico aparente das bebidas.

Um relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado em fevereiro deste ano, apontou que o mercado ilegal de bebidas alcoólicas movimentou R$ 56,9 bilhões no Brasil, um aumento de 224% em relação a 2017, com sonegação fiscal de mais de R$ 28 bilhões em 2023. O levantamento também indicou que o crime organizado lucra mais com venda ilegal e contrabando de combustíveis e bebidas do que com o tráfico de cocaína.

Preço e lucro dos falsificadores

O presidente do Sindicato das Indústrias de Bebidas de Minas Gerais (Sindbebidas-MG), Mário Marques, explica por que a adulteração é economicamente atrativa.“Economicamente é extremamente viável a falsificação, já que o nosso imposto chega a 100%. Se a gente fabricar um produto com o mesmo preço, nós já temos 100% de aumento que é a questão tarifária. E não há fiscalização nenhuma.”

Marques detalha como o excedente de imposto vira lucro direto para a cadeia clandestina. “O lucro deles só de imposto é 100%. E aí o que acontece, ele não repassa os 100%. Então quem ganha com isso aí é quem faz esse produto clandestino e o comerciante que está vendendo esse produto.” 

Mário ainda acrescenta. “Esse metanol que se achou nas bebidas é um produto específico para misturar no combustível de carro. Então a pessoa errou duas vezes, além de adulterar, ainda usou um produto que não é para consumo humano. Não vou falar nem que é por ganância, porque é quase que o mesmo custo do álcool de combustível que não faz tanto mal como o metanol que usaram para fazer esse produto. O preço é muito parecido.”

“Ele vai comprar mais barato porque não vai comprar de posto de gasolina, e sim de um produtor de álcool. Então ele vai comprar de R$ 3 a R$ 4, e esse vai ser o custo que vai ter para poder desdobrar um produto, porque enquanto a gente consegue produzir uma bebida destilada entre 44% e 46%, esse produto aí está entre 78% e 80% de teor alcoólico. Então, são duas coisas que prejudicam. Eles pegam um produto com teor alcoólico muito alto e diluído, e a clandestinidade, porque não pagam imposto nesse produto,” conclui Marques. 

‘Metanol natural’

Paulo Henrique Tavares, professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), explica que, em bebidas fermentadas, o metanol pode aparecer em quantidades baixas e naturais, geralmente sem risco. No entanto, o metanol industrial adicionado de forma deliberada é que é tóxico.

“Algumas bebidas que são feitas a partir de frutas, vou citar como exemplo a mais conhecida, que é o vinho, feito a partir da uva, no momento em que você produz, é feito primeiro a fermentação. Essa fruta contém em sua casca uma substância chamada pectina. E essa pectina é que vai gerar no processo produtivo o precursor da substância. Então, além da uva, maçã, pera, todas têm essa estrutura chamada de pectina, que dá origem ao metanol no processo produtivo da bebida.” 

O professor ainda destaca que “a recomendação é que se use menos quantidade possível da casca na produção. Quando o processo produtivo é bem feito não há risco. O problema é quando há uma adição fraudulenta de metanol, geralmente proveniente de resíduos industriais.” 

Metanol x etanol — parecidos, mas com efeitos muito diferentes

É impossível notar a diferença entre metanol e etanol sem testes de laboratório: ambos são incolores, inflamáveis e têm cheiros semelhantes, de modo que o consumidor não consegue perceber, apenas analisando a bebida no copo, se ela está adulterada.

Quimicamente, porém, tratam-se de substâncias distintas. O metanol, historicamente chamado de “álcool da madeira”, hoje é produzido principalmente a partir do gás natural. Já o etanol é obtido sobretudo pela fermentação de açúcares de matérias-primas vegetais (cana-de-açúcar, milho), por ação de leveduras, e depois é destilado para purificação.

Enquanto o etanol é o álcool presente em bebidas alcoólicas, o metanol é extremamente impróprio para consumo humano. A ingestão, inalação ou contato prolongado com a substância podem causar náusea, tontura, convulsões, cegueira e até a morte. “A molécula do metanol tem um carbono só e a do etanol tem dois. Só que no organismo humano, pequenas diferenças de moléculas podem provocar uma diferença brutal no resultado”, finaliza Paulo.

Fonte: O Tempo

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