CÁLCULO DO IMPOSTO

Entenda nova tributação de ICMS que pode deixar medicamentos mais caros em Minas

Decreto modifica a forma como o ICMS é cobrado sobre fármacos; Fecomércio MG prevê impactos para o setor farmacêutico e o consumidor

Raíssa Pedrosa/O Tempo
Publicado em 20/10/2025 às 20:58
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Uma nova forma de tributação de medicamentos em Minas Gerais pode trazer impactos importantes para o setor farmacêutico e, principalmente, o consumidor. Um decreto publicado pelo governo do estado no fim de setembro prevê mudanças na forma como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é cobrado na cadeia de comercialização. Especialistas apontam que o cálculo pode elevar os preços tanto para os empresários do setor quanto para o consumidor final. 

Atualmente, medicamentos em MG são tributados por meio do modelo de substituição tributária (ST). O cálculo é baseado na Margem de Valor Agregado (MVA), que faz uma estimativa, calculando a diferença de preço do produto que sai da indústria e que chega ao consumidor - a tributação é aplicada depois disso. É uma metodologia que permite que o ICMS seja recolhido pelo fabricante ou importador, simplificando o processo. É também uma forma usada para reduzir a sonegação fiscal. 

O que o decreto muda?

Basicamente, o Decreto nº 49.107/2025, assinado pelo governador Romeu Zema, aplica uma nova sistemática para calcular o imposto com base em preços de mercado ou valores de referência oficiais. O decreto retira a MVA como cálculo principal e aplica uma hierarquia:

Primeiro, adota-se o Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF) - que será divulgado em outra portaria. Trata-se de um cálculo feito por meio do preço médio de comercialização do medicamento. Ou seja: o governo coleta dados nas farmácias, levando em consideração preço e volume de vendas, e faz o cálculo da média. O cálculo com base no PMPF também é utilizado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) como base para o ICMS, e, consequentemente, norteia as altas e baixas da gasolina e do etanol.

Se não houver PMPF, como é o caso de medicamentos novos, será utilizado o preço máximo ao consumidor (PMC) fixado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). O preço máximo é um limite, é o máximo que aquele medicamento pode chegar. No entanto, o mercado farmacêutico costuma contar com descontos, promoções, revisões, e é muito difícil que chegue, de fato, ao valor máximo.

Em terceiro lugar, na falta dessas duas primeiras referências, poderão ser usados valores definidos por entidades representativas do setor. E, apenas em último caso, a MVA é aplicada. As novas regras entram em vigor em 1º de dezembro de 2025. Ainda não há data para publicação dos valores de ICMS calculados para cada medicamento por meio do PMPF.

“Na prática, o Estado deixa de presumir uma margem padrão e passa a utilizar preços de referência como base para o cálculo do imposto. Essa mudança pode alterar o valor do imposto pago pelas empresas, variando conforme o preço adotado como referência”, comenta a Coordenadora Jurídico-Tributária da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Minas Gerais (Fecomércio MG), Danielle Iranir.

E qual o problema dessa mudança?

Um dos principais pontos de debate está no próprio cálculo do PMPF. “Esse método utiliza uma média de preços definida pelo estado, que pode não refletir o valor real praticado pelas farmácias”, comenta o especialista em tributação farmacêutica Jiovanni Coelho, CEO da SimTax.

O cálculo de preço máximo ao consumidor também é alvo de críticas. Quando a indústria lança um medicamento, é registrado na CMED o preço máximo de comercialização daquele princípio ativo. No entanto, esse não é, necessariamente, o preço real do produto na farmácia, já que existem limitações de mercado e o fator promoção. Ou seja, a drogaria geralmente vende bem mais barato e o cálculo do imposto seria feito em cima de um valor irreal.

“Isso pode elevar o custo de lançamento de novos medicamentos em mais de 60%, dificultando o acesso da população a tratamentos inovadores. Muitos medicamentos podem nem ser lançados ou comercializados em Minas Gerais por conta da viabilidade econômica por conta do cálculo por PMC da CMED”, alerta o especialista. 

O head de marketing do Grupo AMR Saúde, Lucas Rosa, acrescenta que as farmácias precisarão repensar sua formação de preços, atualizar sistemas fiscais e acompanhar atentamente as publicações da Saif. “Medicamentos sem PMPF definido poderão ter como base o preço máximo da Cmed, o que pode gerar distorções, especialmente em regiões com preços mais baixos. Farmácias de menor porte ou com menor digitalização tendem a sentir impactos maiores. Promoções e descontos agressivos podem se tornar inviáveis em produtos com PMPF elevado”, explica.

O advogado tributarista Luís Garcia, sócio do Tax Group, indica ainda que o governo pode ser alvo de questionamentos, levando até à judicialização da questão. “Tem que ter muita transparência na metodologia de cálculo (do PMPF). O que o governo vai considerar em termos de critérios? Quais farmácias vão ser consideradas? É preço com desconto ou sem desconto? Algumas farmácias têm programa de fidelidade. Qual é o período analisado? Quão significante é essa amostra? Porque obviamente pode levar a um aumento da base a ser considerada, e aumento da tributação sempre é repassado”, analisa.

Quanto ao preço máximo, Luís pontua que o decreto ignora o fator concorrência. “O preço não leva em consideração o fato de que, muitas vezes, o preço praticado no mercado é um preço que é fruto de competição. Ele vai ser abaixo disso porque as farmácias querem oferecer condições melhores para atrair os clientes. E você acaba trazendo um teto que muitas vezes não é praticado por causa da concorrência”, critica.

Fecomércio MG vê riscos para o setor e para o consumidor

Após a publicação do decreto, o presidente da Fecomércio MG, Nadim Donato, encaminhou ofício ao governo do estado reivindicando a reversão da mudança e a manutenção da MVA. A entidade enxerga risco de aumento da carga tributária e elevação de preços ao consumidor. 

“A mudança afeta toda a cadeia do setor farmacêutico, da indústria aos distribuidores e às farmácias”, frisa Danielle Iranir, da Fecomércio MG. “Empresas podem acabar pagando mais imposto, reduzindo suas margens de lucro caso não repassem o custo adicional ao preço final”, diz. “Quando o imposto é calculado sobre uma base mais alta do que a realidade do mercado, o valor a recolher aumenta, e parte desse custo tende a ser repassada ao consumidor, havendo risco de encarecimento dos medicamentos”, diz Danielle.

Segundo Danielle, as empresas terão que se preparar para essa mudança. “É importante que empresas do setor farmacêutico revisem seus parâmetros fiscais, estruturas de custo e estratégias de precificação antes da entrada em vigor da nova norma”, orienta Danielle.

A reportagem questionou a Secretaria de Estado de Fazenda sobre a mudança e, até a publicação desta matéria, a pasta não retornou. A Abrafarma, que representa o setor de farmácias, também foi procurada pela reportagem. O espaço está aberto à manifestação.

Minas vai na contramão de São Paulo

No sentido totalmente oposto, São Paulo também mudou a forma de tributação dos medicamentos, porém retirando a substituição tributária. Agora, no estado paulista, o ICMS é calculado em cada fase da comercialização, desde a indústria até o consumidor. De acordo com a Fecomércio SP, a mudança era uma reivindicação antiga da entidade junto ao Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte de São Paulo (Codecon/SP).

Segundo a Fecomércio SP, com o fim da ST, as empresas deixarão de calcular e recolher antecipadamente o imposto de toda a cadeia, e isso deve reduzir a carga de trabalho burocrático, liberar capital de giro (já que as empresas não precisam mais adiantar valores de imposto), aumentar a competitividade (permitindo que a precificação se forme de maneira mais natural), reduzir litígios e preparar para a Reforma Tributária.

“Enquanto Minas Gerais adota o PMPF, o estado de São Paulo, o maior mercado farmacêutico do Brasil, está abandonando esse método por reconhecer suas falhas. O modelo foi considerado complexo, impreciso e com alto potencial de distorção nos preços”, opina Jiovanni Coelho.

Fonte: O Tempo.

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