Morales votou cercado por dezenas de camponeses que formaram uma barreira humana em torno dele. Não houve registro da presença de policiais na região (Foto/Reprodução)
Impedido de participar das eleições gerais realizadas neste domingo (17), o ex-presidente boliviano Evo Morales afirmou que a anulação de votos será a grande vencedora do processo eleitoral, que ele classifica como “ilegítimo”. Segundo o tribunal eleitoral, a votação já foi oficialmente encerrada.
“Esta eleição carece de legitimidade. Se não houver manipulação, pela primeira vez na história o voto nulo será o mais numeroso”, declarou Morales após registrar seu voto em uma comunidade próxima a Lauca Eñe, pequeno vilarejo no centro do país. O local é onde ele permanece protegido dia e noite por apoiadores que tentam evitar o cumprimento de uma ordem de prisão contra o ex-presidente.
Aos 65 anos, vestido de camisa branca e sandálias, Morales votou cercado por dezenas de camponeses que formaram uma barreira humana em torno dele. Não houve registro da presença de policiais na região, informou a agência AFP.
No mesmo dia, o presidente do Senado e candidato de esquerda, Andrónico Rodriguez, enfrentou hostilidade ao votar em uma escola em Entre Ríos, em Cochabamba. Vídeos compartilhados nas redes sociais mostram o político sendo protegido por aliados enquanto era alvo de insultos e de lançamento de pedras, segundo o jornal El País.
Após a votação, Rodriguez escreveu no X: “Cumprimos com nossa vocação democrática ao exercer nosso voto neste dia”.
Apontado como favorito da esquerda, o senador de 36 anos já foi visto como herdeiro político de Evo, mas o distanciamento entre os dois provocou atritos, e hoje seguidores do ex-presidente o tratam como traidor. Nas pesquisas, Andrónico aparece com cerca de 5% das intenções de voto. Ele atribuiu a agressão a grupos organizados que tentaram impedir sua participação no pleito, mas minimizou o episódio ao classificá-lo como um caso isolado.
Morales, primeiro presidente indígena da Bolívia, buscava disputar um quarto mandato, mas foi vetado pelo Tribunal Constitucional, que proibiu reeleições sucessivas além de uma. Além disso, ele é alvo de uma ordem de prisão por suposto envolvimento em um caso de tráfico de uma menor durante seu governo, acusação que nega.
“O povo vai às urnas, mas não para escolher”, declarou Evo, que rompeu com o MAS (Movimento ao Socialismo) — partido pelo qual chegou ao poder — após se afastar de seu ex-ministro e atual presidente Luis Arce. Sem candidato de sua confiança, ele orientou seus apoiadores a votarem nulo, embora essa modalidade não influencie o resultado oficial, já que apenas votos válidos são contabilizados.
Cerca de 7,9 milhões de bolivianos estavam aptos a escolher entre oito candidatos presidenciais e renovar o Congresso neste domingo.
Mais cedo, Evo também atacou Arce, afirmando nas redes sociais que, se não fosse pela atuação do atual presidente, seu movimento político estaria liderando a disputa. A cisão entre os dois acabou enfraquecendo o MAS, que por duas décadas dominou a esquerda e a política nacional.
Na corrida presidencial, as pesquisas indicam empate técnico entre o empresário milionário Samuel Doria Medina e o ex-presidente Jorge “Tuto” Quiroga, ambos com cerca de 20% de apoio. Os dois, portanto, devem se enfrentar em um inédito segundo turno marcado para 19 de outubro, representando candidaturas de direita. Outros nomes, como o governista Eduardo del Castillo e Andrónico Rodriguez, aparecem bem atrás nas sondagens.
“Hoje é um dia decisivo para os bolivianos, pois o voto é o caminho democrático para superar a crise econômica”, declarou Medina ao votar em La Paz.
Quiroga, por sua vez, promete uma guinada radical em relação às duas décadas de hegemonia da esquerda. “Vamos mudar absolutamente tudo. Foram 20 anos perdidos”, afirmou.
Ambos defendem reformas liberais: abertura ao mercado e desmonte do modelo econômico implantado nos primeiros anos de Evo, quando setores estratégicos foram nacionalizados.
Medina apresentou um plano emergencial de 100 dias para enfrentar a escassez de combustível, dólares e produtos básicos. Sua trajetória empresarial inclui fortuna construída no setor de cimento, hotelaria e redes de fast food.
Quiroga, por outro lado, é um veterano da política. Foi presidente entre 2001 e 2002, quando assumiu o cargo após a renúncia de Hugo Banzer — ex-ditador dos anos 1970 eleito democraticamente, mas que deixou o poder por causa de um câncer.