OLYMPUS DIGITAL CAMERA (Foto/Hospital das Clínicas da UFMG/EBSERH/Divulgação)
Foram sete anos desde o diagnóstico de infertilidade conjugal e seis tentativas falhas até que a confeiteira Maria Izabel da Silva Martins, de 40 anos, conseguisse realizar seu grande sonho: ser mãe. O desejo só se tornou realidade com a ajuda de um centro de reprodução humana público, onde Maria Izabel passou por um processo de Fertilização In Vitro (FIV) – método feito em laboratório que une óvulo e espermatozoide para propiciar o desenvolvimento do embrião, implantado no útero da mulher. Em Minas, mais de 1.800 casais estão na fila do Laboratório de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG), o único hospital público a oferecer o serviço no Estado. A espera chega a cinco anos, podendo ser ampliada para nove caso a mulher necessite de um óvulo doado – considerado obrigatório para realização da FIV em mulheres acima de 42 anos. A média é de 200 fertilizações in vitro por ano.
Hoje com dois filhos, de 11 e 8 anos, Maria Izabel relembra a jornada que enfrentou para conseguir ter a “casa cheia” de barulho e alegria. “Era muita tensão, cada tratamento que dava errado era desgastante. Nos corredores, encontramos casais com a mesma história; quando alguém conseguia, já dava um ânimo”, lembra. A infertilidade, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é uma doença do sistema reprodutor masculino ou feminino, que atinge uma em cada seis pessoas no mundo.
Apesar da magnitude da enfermidade, no Brasil, as soluções para prevenção e tratamento – incluindo técnicas de reprodução assistida, como a fertilização in vitro – não são ofertadas em grande escala pelo poder público e, devido ao alto custo dos tratamentos em clínicas privadas, também são economicamente inacessíveis para muitas pessoas, que acabam reféns de uma longa fila de espera enquanto “correm contra o tempo” para tentarem ser mães até os 50 anos, idade-limite para realização da FIV.
A auxiliar de serviços gerais Grazielle Duarte, de 33 anos, é uma das mulheres que esperaram quase seis anos na fila para receber, no fim do ano passado, uma ligação do Hospital das Clínicas. A partir do telefonema, ela pôde, enfim, iniciar o processo de fertilização. “Desde que soube que a única forma de ser mãe era por fertilização in vitro, não tive alternativa. Particular eu não conseguiria, e ainda teria que pagar os exames e medicamentos”, desabafa. Mãe de dois filhos, de 9 e 14 anos, ela passou por laqueadura durante um relacionamento abusivo e, agora, para ser mãe novamente, depende de uma FIV. Atualmente, ela e o novo companheiro aguardam o processo de transferência dos embriões. “Estou ansiosa, feliz e com uma esperança. Meu marido me tranquiliza e diz que será no meu tempo”, conta.
Pacientes pagam por medicação
Ao todo, 60 casais são chamados por mês para iniciar a primeira etapa do processo no Hospital das Clínicas, momento em que mais um obstáculo é apresentado. Isso porque o Sistema Único de Saúde (SUS) não cobre o valor das medicações, que custam em média R$ 5.000 por ciclo. Custo que faz com que muitos casais desistam, conforme revela a coordenadora do Laboratório de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas da UFMG, Inês Katerina Damasceno. “Em Minas, não conseguimos custear essa medicação, que tem custo alto, em torno de R$ 5.000, porque o SUS não cobre. Muitos casais não conseguem fazer o procedimento devido a esse valor e acabam desistindo”, revela.
Para quem consegue arcar com os medicamentos, ainda é preciso “contar com a sorte”. Isso porque o protocolo do HC define que cada paciente tem o direito a três tentativas de fertilização. Se der certo na primeira, a mulher não tem direito aos outros dois procedimentos. Se der errado nas três, fica sem outra possibilidade. “O hospital custeia e, por isso, temos esse limite, infelizmente. Além disso, temos a regra do Conselho Federal de Medicina (CFM) a respeito da quantidade de embriões que podem ser implantados: em mulheres de até 37 anos são dois embriões; acima de 37, podem ser três, se os embriões forem viáveis”, explica Inês.
Alto custo frustra sonhos
Nas clínicas particulares, o custo da fertilização in vitro é de, em média, R$ 20 mil por tentativa, o que pode encarecer o processo, já que não há certeza sobre a quantidade de tentativas necessárias para que a FIV tenha sucesso. Além disso, o procedimento não tem previsão de cobertura por planos de saúde. “É um processo caro. Captar um óvulo, captar um espermatozoide e depois levar para o laboratório. Ainda assim, o índice de resultado é em torno de 40% a 50%, de acordo com as características da mulher”, explica a ginecologista e obstetra, membro do Conselho Regional de Medicina de Minas (CRM-MG), Maria Inês de Miranda Lima.
Para algumas mulheres, arcar com o alto valor é a única forma de concretizar o desejo de ser mãe, já que esperar pela fila no SUS pode não ser uma opção. É o caso de Amanda*, de 45 anos, que viu na fertilização in vitro sua última chance para ser mãe. “Meu tempo biológico estava vencendo, e, por não ter encontrado meu parceiro ideal, essa foi a única forma”, conta. Na primeira tentativa, dois embriões foram implantados, mas o procedimento não teve êxito. Foi na segunda tentativa que o tão sonhado positivo foi obtido. Grávida de cinco semanas, Amanda calcula já ter gastado em média R$ 50 mil, sem contar com a medicação mensal, que custa cerca de R$ 2.000.
O valor ficou inviável para Maria Izabel, que chegou a iniciar o tratamento na rede privada, mas foi obrigada a desistir após ter gastado mais de R$ 30 mil em três tentativas falhas. “No desespero, eu pedi demissão para, com o acerto, fazer o procedimento, mas o dinheiro foi acabando, e eu tive que parar”, lamenta. Ela, então, entrou na fila do SUS e conseguiu ter seus dois filhos anos depois, no Hospital das Clínicas.
Maria Izabel e Amanda são unânimes ao defenderem maior acesso ao procedimento. “Poderiam investir mais e diminuir essa espera angustiante. Eu, na época, fiz uma loucura pela ansiedade, R$ 30 mil é muito dinheiro, tive que pedir demissão, e mesmo assim não foi suficiente”, lembra Maria Izabel. “As regras precisam ser claras, mais divulgadas e incluir pessoas com mais idade que eu, por exemplo. Tenho uma amiga que mora em outro país e teve dois filhos por FIV, com tratamento pago pelo governo”, completa Amanda.
Recursos são escassos
Atualmente, o HC destina, por ano, R$ 4,2 milhões para custeio do laboratório, que realiza ainda inseminação intrauterina e outros procedimentos para tratamento de infertilidade. Além disso, investimentos ocasionais são feitos para a compra de equipamentos, como um aparelho adquirido neste ano por R$ 500 mil. A coordenadora do Laboratório de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas da UFMG, Inês Katerina Damasceno, explica que a expansão dos procedimentos depende de maior investimento. A médica cobra ainda verbas específicas vindas do governo federal para a ala, que, segundo ela, não acontece há mais de dez anos.
“A gente já teve políticas públicas que tentaram normatizar para que o governo federal custeasse, mas ela foi revogada. Isso aconteceu em março de 2005, mas a regra acabou suspensa em julho do mesmo ano”, reclama. A especialista cobra políticas públicas para subsidiar o tratamento e reforça que a fertilidade é uma doença e precisa ser tratada como tal. “Em 2009, a OMS reconheceu a infertilidade como uma doença. É um problema de saúde pública, a mulher na Constituição tem direito a esse procedimento, mas falta a política pública. Não conseguimos ampliar esse acesso se não tiver uma política nacional. Os hospitais que ofertam têm fechado por falta de subsídio”, cobra.
Questionado, o Ministério da Saúde admite que não há repasse de recursos federais específicos para investimento em técnicas de fertilização in vitro em hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo a pasta, esses procedimentos são pagos com recurso do Teto de Média e Alta Complexidade (MAC), repassados às secretarias municipais e estaduais de Saúde. Assim, a FIV e a inseminação artificial, por exemplo, são oferecidos conforme organização e critérios definidos pela gestão local.
Ambulatório especializado em BH
Na capital, o ambulatório está localizado no PAM Sagrada Família. A unidade é responsável por determinar a causa da infertilidade, que em 35% dos casos tem fator feminino, em 30%, fator masculino e em 20% corresponde a ambos os parceiros. Além disso, em 15% dos casos não é possível determinar causa aparente. Caso seja comprovada a infertilidade, o casal é, então, informado sobre a fila da fertilização in vitro. “A FIV é a última etapa de toda a abordagem do casal com suspeita de infertilidade. Quando determinada, encaminhamos para o Hospital das Clínicas, e a pessoa entra na fila”, explica o gerente da Rede Ambulatorial Especializada da Prefeitura de Belo Horizonte, Mateus Figueiredo.
Após o chamamento, o casal é orientado sobre as possibilidades e riscos dos procedimentos, informado de que a medicação a ser utilizada para o tratamento não é fornecida pelo SUS e que, em função disso, precisa arcar com as despesas para a aquisição dos medicamentos. Assim, após o casal participar de uma reunião, recebe uma senha para aguardar ser chamado pelo Serviço de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas. A unidade atende casais de todo o Estado.
O que é a FIV?
A FIV é um tratamento que consiste em realizar a fecundação do óvulo com o espermatozoide em ambiente laboratorial, formando embriões que serão cultivados, selecionados e transferidos para o útero. “Um ou mais embriões são selecionados, isso depende da idade da mulher. Após nove a 12 dias da transferência, é feito o teste de gravidez para determinar se a implantação do embrião foi bem-sucedida e se a mulher engravidou”, explica a enfermeira e gestora da Clínica Origen BH, Tatiana Moreira.
Quando procurar um médico?
A infertilidade é definida pela medicina como a incapacidade de ter uma gravidez após 12 meses ou mais de relações sexuais regulares desprotegidas. Em caso de dificuldades para engravidar, é preciso procurar o centro de saúde mais próximo. De lá, o casal inicia o processo de investigação para tentar mapear a causa do problema.
“É investigado o estilo de vida, se há doenças crônicas, endometriose, obesidade e problemas no modo de viver que podem influenciar a dificuldade de concepção. Persistindo, o casal é encaminhado a ambulatórios especializados no SUS em infertilidade e reprodução humana”, explica o gerente da Rede Ambulatorial Especializada da Prefeitura de Belo Horizonte, Mateus Figueiredo.
Fonte: O Tempo