Idoso foi mantido nestas condições por quase 40 anos, mas, agora, terá direito à todos os direitos que foram negados (Foto/Ministério do Trabalho/Divulgação)
"Quando a gente encontrou ele naquela situação, eu fiz força para não chorar. Aquele senhor podia ser o pai de qualquer um de nós". Assim o auditor-fiscal do Ministério do Trabalho, Filipe Nascimento, descreve o momento do encontro de João Ribeiro, homem de 74 anos que era mais conhecido como "João do Brejo" e que, em janeiro deste ano, foi resgatado após 38 anos de trabalho análogo à escravidão em uma fazenda de café de Bueno Brandão, no Sul de Minas Gerais. Ele teria chegado à propriedade em 1984, quando o seu atual "patrão" ainda era uma criança, tendo sido vítima do trabalho forçado tanto pelos pais como pelo filho.
Aparentemente em estado de confusão mental, o idoso foi encontrado vivendo em situação degradante, morando em uma casa com iluminação precária, sem qualquer higiene, sem portas e dormindo em uma espuma velha de colchão. O senhor bebia água direto da torneira e, para piorar, não era pago pelos trabalhos que fazia, como capinar pastos, cultivar café e tratar dos brejos e dos porcos.
"Ele tinha um problema cognitivo aparente, mas o que concluímos da conversa com ele era que ele trabalhava pela comida, como se fosse um animal. Ele recebia a comida do proprietário, mas ele não se alimentava lá, na sede da fazenda, e nem tinha uma área de alimentação. Ele comia ali, do lado de fora da casa dele, que era mais afastada, sem mesa nem nada", complementa o auditor-fiscal.
O caso foi descoberto depois da assistência social do município ser acionada pelo hospital, para onde João havia sido socorrido após se ferir. Durante o atendimento, os trabalhadores da saúde acabaram descobrindo que o idoso não tinha, sequer, qualquer documento de identificação. Ou seja, ele não existia aos olhos da sociedade brasileira.
Idoso não sabia quem era o presidente
João do Brejo, como foi apelidado na propriedade, teria chegado à fazenda supostamente "perambulando" após algum acidente, e teria sido "acolhido" pelos proprietários. "Pediu abrigo na fazenda, isso quando o atual proprietário da terra ainda era uma criança. Quem 'abrigou' o senhor João ali foi o pai do novo dono da terra. E ali ele ficou, cuidando dos porcos e do brejo, o que originou o apelido", completa Nascimento.
No momento do resgate, o idoso foi indagado por profissionais da saúde sobre assuntos diários e, o que foi descoberto, é que ele não sabia quem eram os presidentes da república e os governadores do Estado nas últimas décadas. Ele ainda carregava, entre seus pertences, dezenas de moedas e notas de contos de réis, que ainda acreditava serem necessários para comprar mantimentos.
Ouvido pelos auditores, o proprietário do local teria confirmado a chegada do idoso há cerca de quatro décadas, tendo afirmado ainda que ele teria se tornado "família", e que seria da natureza dele "viver na imundice".
Ao examinarem seu João, os médicos e enfermeiros constataram que o idoso tinha vários problemas de saúde. Além de ser cego de um dos olhos, ele tinha diabetes e pressão alta e não estava tomando qualquer medicamento, sendo, inclusive, que a confusão mental poderia ser consequência do alto nível de açúcar no sangue da vítima.
Durante os 38 anos de trabalho, ele só teria sido levado ao médico pelo fazendeiro em duas ocasiões, por estar "impossibilitado de trabalhar".
Idoso está vivendo em casa de acolhimento
Após ser atendido pelo Defensor Público Federal, que garantiu que o trabalhador obtivesse uma certidão de nascimento, carteira de identidade e um CPF, João do Brejo foi recebido pela assistência social do município, que fez o seu encaminhamento para um centro de acolhimento beneficente da cidade, onde está vivendo.
"São instalações muito boas, ele está vivendo em condições dignas agora. Além disso, o proprietário da fazenda já foi obrigado a pagar parte dos direitos trabalhistas do idoso e foi nomeado um curador que cuidará das finanças do senhor João. Nós vimos ele trabalhar, mas ele não tem condições de fazer isso mais. Está na hora dele descansar", finalizou o auditor-fiscal Filipe Nascimento.
Denúncias
Se você tiver suspeita de alguma situação de trabalho análogo à escravidão, seja rural, urbano ou doméstico, uma denúncia pode ser feita de maneira anônima pelo site do Sitema Ipê, no Ministério do Trabalho.
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Fonte: O Tempo