Estudo aponta que medida pode ter inviabilizado o acesso de prefeituras a recursos do Fundo de Erradicação da Miséria. Somente em BH, fatia anual chegaria a R$ 83,2 milhões
Deputados estaduais que fazem oposição ao governo de Minas devem iniciar, nesta semana, uma série de discussões dentro e fora da Assembleia Legislativa para tentar derrubar o veto do governador Romeu Zema (Novo) a uma emenda que previa direcionar, na Lei Orçamentária Anual de 2024, todo o recurso do Fundo de Erradicação da Miséria (FEM) exclusivamente para o caixa do Fundo Estadual de Assistência Social (FEAS). Na prática, o veto impediu que o montante, estimado em R$ 1 bilhão, fosse integralmente repartido entre os 853 municípios mineiros para o custeio de gastos com equipamentos e serviços socioassistenciais. Com o impasse, parlamentares prometem, inclusive, acionar o Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG) para verificar se o Estado tem usado recursos do FEM para pagamento de despesas que não têm relação com o combate à miséria.
Coautora da emenda vetada pelo governador, a deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL) afirma que somente o município de Belo Horizonte deve deixar de receber R$ 83,2 milhões em 2024, caso o veto não seja derrubado. O número faz parte de um estudo encomendado pela parlamentar a economistas da Universidade Federal de Minas Gerais e da Fundação João Pinheiro. O levantamento, ao qual O TEMPO teve acesso com exclusividade, revela que, além da capital, as prefeituras de Contagem e Betim, na região metropolitana, Uberlândia, no Triângulo, e Juiz de Fora, na Zona da Mata, são as que têm potencial de sofrer as maiores perdas em valores absolutos, deixando de arrecadar, cada uma delas, montantes superiores a R$ 20 milhões em um ano. Para o cálculo, o estudo leva em consideração o número de famílias inscritas, até 2023, no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), do governo federal.
Bella Gonçalves ressalta, porém, que algumas cidades menos populosas seriam, proporcionalmente, as mais beneficiadas com a repartição de recursos do Fundo de Erradicação da Miséria (FEM). Isso porque a fatia recebida representaria, em alguns casos, quase 3% do orçamento total das prefeituras. Segundo o relatório encomendado pela parlamentar, os municípios com possibilidade de serem mais beneficiados estão justamente nas regiões com maiores índices de pobreza do Estado, como o Norte de Minas, Vale do Jequitinhonha, Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce.
“Esse repasse é fundamental para estruturar equipamentos de acolhimento às mulheres, a idosos e crianças em situação de vulnerabilidade, para ampliar a cobertura de cadastramento no CadÚnico, para fazer reformas em Cras e Creas, construir abrigos e repúblicas para a população em situação de rua. Enfim, uma infinidade de finalidades cujo custeio está nas costas dos municípios”, detalha a deputada estadual.
Líder da oposição na Assembleia e coautor do texto derrubado pelo governador, o deputado estadual Ulysses Gomes (PT) lembra que a emenda foi aprovada por unanimidade na Casa, após acordo feito com parlamentares da base de Romeu Zema. “O que o governador fez agora é muito grave, porque, além de retirar recursos para ações voltadas à população em extrema pobreza, Zema descumpriu um acordo feito na Assembleia Legislativa, demonstrando total desrespeito ao Parlamento mineiro”, acusa Gomes. Segundo o deputado, o objetivo agora é buscar um novo acordo a fim de derrubar o veto ao dispositivo proposto para a Lei Orçamentária Anual. “Vamos garantir que o recurso vá à população que mais precisa”, diz.
Na avaliação do deputado João Magalhães (MDB), líder de governo na ALMG, o veto de Zema não vai impactar nos investimentos para assistência social e erradicação da miséria. "Fica claro para mim que os vetos parciais às leis orçamentárias aprovadas em 2023 não representam cortes de recursos ou diminuição de investimentos voltados para Assistência Social e Erradicação da Miséria. A justificativa contida nas mensagens nº 115 e 116 de 2024 demonstra que as emendas vetadas contrariam a Lei nº 19.990/2011, que atribui o gerenciamento do FEM - e das receitas a eles destinadas - à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag)", explicou o deputado, por meio de nota.
"Acredito que, por meio da Seplag, os recursos são distribuídos de forma mais ampla e integrada entre secretarias estaduais, uma vez que as ações de combate à miséria não são desempenhadas apenas pela Assistência Social. Reforço ainda que a aplicação e liberação destes recursos é submetida à aprovação do grupo coordenador do FEM, composto por diversos representantes do poder público e conselhos - inclusive o Conselho Estadual de Assistência Social", acrescentou Magalhães.
Municípios com maiores valores vetados do FEM
(valores absolutos)
1 - Belo Horizonte: R$ 83,2 milhões
2 - Contagem: R$ 27,5 milhões
3 - Uberlândia: R$ 26,8 milhões
4 - Betim: R$ 23,3 milhões
5 - Juiz de Fora: R$ 20 milhões
6 - Montes Claros: R$ 19,6 milhões
7 - Ribeirão das Neves: R$ 16,7 milhões
8 - Governador Valadares: R$ 15,3 milhões
9 - Ipatinga: R$ 11,1 milhões
10 - Santa Luzia: R$ 10,9 milhões
(Dados do estudo “Cálculo da Distribuição dos Valores do Fundo de Erradicação da Miséria por Municípios Mineiros para Financiamento da Política da Assistência Social”)
Entenda o FEM
Extinto temporariamente pelo governo de Minas em 2023, o Fundo de Erradicação da Miséria (FEM) foi retomado em janeiro de 2024 e é financiado pelo adicional de 2% na alíquota do ICMS sobre bens considerados supérfluos (como bebidas alcoólicas, cigarros e armas, por exemplo). Pela lei, os recursos do FEM serão arrecadados até 2026 e devem custear, principalmente, o Piso Mineiro de Assistência Social, cujo repasse mensal aos municípios é de R$ 2,40 por família inscrita no CadÚnico. Segundo a deputada Bella Gonçalves, esse valor pode subir para cerca de R$ 24, caso o dinheiro do FEM seja integralmente destinado ao Fundo Estadual de Assistência Social.
Governo não criou grupo para gerir recursos do FEM
Doze anos após a criação do Fundo de Erradicação da Miséria (FEM) em Minas, o governo do Estado não tem um grupo coordenador, previsto por lei, para gerir os recursos destinados ao combate à pobreza. Sancionada em dezembro de 2011, a Lei 19.990 prevê que o dinheiro do fundo deve ser administrado por um coletivo formado por representantes do Executivo, Legislativo e de conselhos estaduais. No entanto, a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag) admitiu, em nota, que ainda está “estudando a forma mais adequada de compor o grupo coordenador”.
“Para vetar a emenda (que vincula o FEM ao Fundo Estadual de Assistência Social), o Estado alega que o fundo tem um conselho gestor e um plano de erradicação da miséria, mas esse conselho não existe há anos e o plano também não”, critica a deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL), que questiona os critérios que vêm sendo adotados para aplicação dos recursos.
A Seplag esclarece que o veto de Zema se baseia no fato de a lei prever que a destinação do FEM extrapola a área de atuação do Sistema Único de Assistência Social. Segundo a pasta, além do enfrentamento à pobreza, da proteção social e da garantia de alimentação adequada, os recursos do fundo também devem ser usados para garantir a melhoria do padrão de vida, das condições de habitação e saneamento, além de ser empenhado para a geração de trabalho e renda, formação profissional e mitigação de danos socioeconômicos decorrentes de decretação de estado de calamidade pública.
Apesar do argumento, parlamentares da oposição prometem acionar o Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG) nos próximos dias para solicitar uma auditoria para analisar a destinação de valores do FEM desde 2011. “Acreditamos que há um recurso milionário que já foi desviado para outras finalidades e que o Estado deve aos municípios. A gente não vai desistir desse valor”, afirma Bella Gonçalves.
Fonte: O Tempo