Alguns nomes, como os de Zumbi e Dandara dos Palmares, são consagrados na luta contra a escravidão no Brasil (Foto/ Divulgação)
Alguns nomes, como os de Zumbi e Dandara dos Palmares, são consagrados na luta contra a escravidão no Brasil. Referências nacionais de resistência, com trajetórias de coragem registradas nos livros didáticos e, inclusive, homenageados com estátuas — como a do líder quilombola instalada na avenida Presidente Vargas, em Uberaba. Mas, se os heróis da liberdade têm nomes e rostos conhecidos, a história de tantos outros escravizados ainda está sendo descoberta e valorizada. No município, duas mulheres escravizadas ganham destaque pela força de suas trajetórias: Maria Rita e Bárbara Crioula.
Em entrevista à Rádio JM, o historiador João Eurípedes de Araújo, pesquisador do Arquivo Público de Uberaba, revelou detalhes sobre a vida dessas personagens. Atualmente atuando no Departamento de Gestão de Documentos e Arquivo Histórico, o especialista em escravidão brasileira e uberabense trabalha com documentos do século XIX e ajuda a revelar aspectos pouco conhecidos da história da cidade.
Segundo o historiador, Maria Rita foi uma das escravas mais famosas de Uberaba, chegando a pé à cidade, após fugir de seus senhores. Ela chegou a pertencer a Antônio Elói Casimiro de Araújo, conhecido como barão da Ponte Alta, um dos maiores senhores da região, proprietário de terras e figura influente na política e na economia local, simbolizando o poder sustentado pela exploração do trabalho escravo.
Outra figura emblemática foi Bárbara Crioula, que protagonizou um episódio incomum e revelador, de acordo com os registros documentais. Acusada de incendiar a casa de um homem, a escrava foi defendida por sua senhora durante o processo criminal. Ela afirmou que, no momento do incêndio, Bárbara estava vendendo quitutes na Praça Rui Barbosa e, até onde se sabe, é o primeiro registro de uma escrava de ganho em Uberaba.
“Se pegarmos os desenhos do Jean-Baptiste Debret, vemos aquelas mulheres negras com indumentárias, vendendo quitutes nas praças. E, em Uberaba, Bárbara pode ter sido uma das primeiras registradas em documento, por conta da defesa de sua senhora nos autos do processo”, conta João Eurípedes.
Conheça um pouco da história
A presença de escravos em Uberaba remonta à fundação do arraial, no início do século XIX. Durante boa parte do período imperial, a cidade se destacou como importante entreposto comercial do Sertão da Farinha Podre, atraindo comerciantes, pecuaristas e senhores de escravos.
Diferente de outras regiões do país, onde predominavam os grandes latifúndios cafeeiros ou os engenhos de cana-de-açúcar, Uberaba vivia uma escravidão marcada por relações urbanas, pecuária e agricultura de subsistência. Por isso, havia uma quantidade significativa de mulheres escravizadas, o que contribuiu para a formação de famílias escravas e de uma vida social complexa entre os cativos.
Com leis como a do Ventre Livre (1871), manter escravizados tornou-se mais difícil, o que levou muitos senhores a investirem em imóveis e na urbanização. Mesmo assim, os negros escravizados continuaram sendo fundamentais para a economia da cidade, à época.
A memória de mulheres como Maria Rita e Bárbara Crioula é parte indispensável da história de Uberaba. Elas simbolizam não apenas o sofrimento imposto pela escravidão, mas também a resistência e a contribuição ativa de mulheres negras na construção econômica, social e cultural da cidade.