Quase 30 milhões de brasileiros fazem apostas online, aponta pesquisa

Quase 30 milhões de brasileiros acima de 10 anos já realizaram algum tipo de aposta online, segundo a pesquisa TIC Domicílios 2025, divulgada na última semana pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic.br). O número equivale a 19% dos usuários de internet no país, considerando um universo estimado de 157 milhões de pessoas conectadas. É a primeira vez que o levantamento inclui dados específicos sobre apostas online no Brasil.

A pesquisa aponta diferenças relevantes no comportamento por gênero. Enquanto 25% dos homens afirmam ter feito apostas pela internet, entre as mulheres o percentual é de 14%. A disparidade é ainda maior nas apostas esportivas, praticadas por 12% dos homens conectados, contra apenas 2% das mulheres. Nos cassinos online, a diferença diminui, com 10% dos homens e 6% das mulheres. Rifas digitais e sorteios pagos registraram participação de 9% dos homens e 5% das mulheres, enquanto a loteria federal aparece com 9% entre homens e 4% entre mulheres.

Crescimento acelerado e riscos financeiros

Para Bárbara Félix, coordenadora de Direito Bancário do Marcelo Tostes Advogados, os dados confirmam a rápida expansão das plataformas de apostas no país e evidenciam riscos que vão além do comportamento individual dos apostadores. “A TIC Domicílios de 2025 trouxe, de forma inédita, dados que mostram que quase um quinto dos usuários de internet já realizou apostas online. Isso revela o quanto essas plataformas se incorporaram ao cotidiano digital dos brasileiros”, afirma.

Segundo a especialista, a ausência de regras mais consistentes ainda cria brechas para práticas abusivas e para o uso dos sistemas de pagamento como meio para atividades irregulares. “A falta de parâmetros claros abre espaço tanto para o endividamento dos consumidores quanto para fraudes e operações suspeitas que impactam diretamente o sistema financeiro”, diz.

Endividamento e impacto no sistema bancário

O endividamento, de acordo com Bárbara, é um dos efeitos mais preocupantes desse crescimento. Ela explica que o padrão de consumo associado às apostas online, marcado por pequenas quantias repetidas com alta frequência, pode gerar um ciclo difícil de romper. “O comportamento de apostas repetitivas, impulsionado por estímulos digitais, cria um ciclo vicioso com potencial destrutivo, especialmente quando se desenvolve um vício em apostas. Isso compromete a renda familiar e aumenta a inadimplência”, avalia.

Esse cenário, ressalta, não afeta apenas os apostadores. “O aumento do endividamento pressiona o sistema financeiro como um todo. Bancos passam a lidar com maior risco de crédito, o que pode levar à elevação das taxas de juros e impactar até quem não aposta”, afirma.

Fraudes, Pix e lavagem de dinheiro

Outro ponto de atenção é a exposição do sistema financeiro a fraudes e à lavagem de dinheiro. Para Bárbara Félix, as plataformas de apostas já são vistas como um setor sensível nesse aspecto. “As bets são consideradas um segmento de alto risco, especialmente pela possibilidade de uso indevido de meios de pagamento digitais, como o Pix, para ocultar ou pulverizar recursos”, explica.

A especialista destaca que, embora os bancos utilizem ferramentas avançadas de monitoramento, o volume e a velocidade das transações representam um desafio constante. “O sistema financeiro brasileiro já emprega inteligência artificial para acompanhar operações ligadas às bets, mas o alto volume de transações e a complexidade do setor tornam o combate a fraudes um desafio quase diário”, afirma.

Lacunas na regulação e proteção ao consumidor

No campo regulatório, Bárbara avalia que houve avanços recentes, mas ainda insuficientes. “Embora o marco regulatório tenha evoluído, ele ainda carece de regras mais claras para plataformas digitais, fiscalização mais ágil e integrada entre os órgãos reguladores e limites mais rigorosos para o impulsionamento digital, especialmente quando há apelo a públicos vulneráveis”, diz.

A advogada também aponta falhas na responsabilização das empresas. “Ainda faltam punições mais severas e efetivas para quem descumpre as normas, além de canais de comunicação mais acessíveis para que os consumidores possam registrar reclamações e resolver conflitos com rapidez”, completa.

PL 5473/2025 e efeitos sobre bets e fintechs

Nesse contexto, o Projeto de Lei 5473/2025, em tramitação no Senado, pode ter impacto relevante sobre o setor. Segundo a coordenadora, embora o foco principal da proposta seja o ajuste fiscal, ela acaba alcançando diretamente as apostas online e as fintechs. “O PL tem como eixo a elevação da carga tributária de setores estratégicos, como fintechs e plataformas de bets, com o objetivo de reforçar as medidas de compensação do déficit fiscal e ampliar a arrecadação da União”, explica.

Para Bárbara, a tributação pode ter efeitos positivos se vier acompanhada de destinação adequada dos recursos. “Com mais arrecadação e a aplicação desses recursos em fiscalização e segurança, o Estado ganha capacidade de combater o mercado ilegal e exigir compliance das empresas reguladas”, avalia. Ao mesmo tempo, ela alerta para possíveis efeitos colaterais. “Uma carga excessiva pode desestimular operadores legítimos e empurrar parte do mercado para a informalidade ou para jurisdições mais favoráveis”, afirma.

Diante do avanço acelerado das apostas online, a especialista defende medidas urgentes para equilibrar arrecadação, segurança e proteção ao consumidor. “É fundamental criar uma fiscalização contínua e integrada entre Banco Central, Receita Federal e Ministério da Fazenda, além de exigir transparência das plataformas e políticas robustas de prevenção à lavagem de dinheiro”, conclui.

Fonte: O Tempo.