Pesquisa mostra que 18% se consideram dependentes sem evidências clínicas, criando percepção exagerada que prejudica autocontrole
Um estudo conduzido pelo grupo Nature revelou uma disparidade significativa entre a percepção e a realidade do vício em redes sociais. Publicado no "Scientific Reports", o levantamento identificou que para cada pessoa com sintomas reais de dependência do Instagram, existem nove que acreditam ser "viciadas" sem evidências clínicas que comprovem essa condição.
A pesquisa analisou mais de 1.200 adultos nos Estados Unidos para determinar a prevalência de sintomas de dependência entre usuários do Instagram. Os participantes, com média de idade de 44 anos, foram submetidos a diferentes análises para avaliar tanto a percepção quanto os sintomas reais de dependência.
"Vimos que muitas pessoas adotam para si o rótulo de 'vício' sem qualquer evidência clínica", afirma o pesquisador pós-doutor no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), Ian Anderson, autor principal do estudo.
Os dados mostraram que 35% dos usuários apresentam hábitos fortes de uso da plataforma, mas apenas 2% manifestam sinais clínicos de dependência. Essa diferença evidencia como muitas pessoas confundem comportamentos habituais a dependência real.
"Nossos dados mostram que 35% têm hábitos fortes, enquanto apenas 2% estão em risco de dependência", explica Anderson.
O estudo também examinou uma amostra universitária separadamente, onde a percepção de vício era ainda mais acentuada em outra plataforma. "Em uma amostra universitária que analisamos separadamente, vimos uma superpercepção muito forte de vício no TikTok - 59% achavam que tinham vício, mas só 9% estavam no grupo de risco", diz. "Não sabemos quanto disso é efeito da faixa etária ou do aplicativo."
A pesquisa também analisou o ambiente informacional durante 36 meses, examinando notícias e publicações em redes sociais sobre o tema. Foram identificadas 4.383 matérias mencionando "vício em redes sociais", enquanto apenas 50 utilizavam o termo "hábito digital". Os conteúdos sobre vício geraram mais de 70 mil interações online.
"Ficamos surpresos com o tamanho da diferença - quase cem vezes mais textos falando em vício do que em hábito", afirma Anderson. "Esse excesso ajuda a tornar 'vício' o rótulo normativo, aquele que parece natural para explicar o uso intenso."
Os pesquisadores descobriram que apenas dois minutos escrevendo sobre "momentos em que se sentiram viciados em Instagram" foram suficientes para que os participantes relatassem menor controle sobre seu uso, recordassem mais tentativas fracassadas de reduzir o tempo de tela e sentissem mais culpa pelo tempo gasto no aplicativo.
"Esse enquadramento prejudica a sensação de autoeficácia", explica Anderson. "Apenas chamar o uso de vício já é suficiente para reduzir a percepção de que a pessoa pode mudar."
Segundo o estudo, essa percepção exagerada de dependência pode ser prejudicial. "O enquadramento como vício limita a crença na própria capacidade de reduzir o uso e aumenta a autoculpa."
O pesquisador sugere que a maioria dos usuários deveria adotar estratégias baseadas em conceitos de hábito, não de vício. "Por isso, a maioria das pessoas deveria usar estratégias baseadas em hábito, não em vício", recomenda.
Anderson alerta que chamar um hábito de vício "cria-se um problema artificial: a pessoa passa a acreditar que vive uma dependência que não existe". "Entender o comportamento como hábito aumenta a sensação de controle e abre caminho para mudanças eficazes", acrescenta.
Segundo o pesquisador, as plataformas poderiam contribuir oferecendo mais ferramentas para interromper hábitos automáticos, mas essa abordagem conflita com o modelo de negócios baseado em engajamento contínuo. "As plataformas exploram princípios de formação de hábito. Natural stopping points, fricção e ferramentas de gestão de tempo ajudariam, mas não são prioridades comerciais", afirma.
"Por isso, mudanças significativas dependem de políticas públicas que obriguem as plataformas a oferecer meios reais de gerenciar o uso", conclui Anderson.
Fonte: O Tempo.