Mirando um esquema de propina envolvendo a Petrobras, a operação Lava Jato teve atores divididos no campo da Justiça e da política
Lula em depoimento a Sergio Moro, então juiz federal, em maio de 2017 (Foto/Reprodução)
Criada para investigar um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou bilhões de reais em propina envolvendo políticos, agentes públicos, doleiros e empresários, a operação Lava Jato levou uma série de personagens ao estrelato, especialmente no campo político. Muitos que migraram, porém, tiveram uma vida política curta ou enfrentam riscos dez anos depois da primeira fase da investigação, deflagrada em 17 de março de 2014.
O motivo seria uma série de controvérsias levantadas pela atuação da força-tarefa da Lava Jato, acusada por especialistas de agir com interesses direcionados. Nesse período, foram mais de 1.000 mandados de busca e apreensão, de prisão temporária, de prisão preventiva e de condução coercitiva em cerca de 80 fases. O número de réus chegou a 600 e as penas superaram três mil anos de prisão.
As polêmicas levantadas levaram a uma derrocada emblemática das ações da Lava Jato. Em abril de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou a condenação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na época ex-presidente da República. A primeira decisão foi assinada em 2017 pelo então juiz Sergio Moro, da 13º Vara Federal de Curitiba, no Paraná, que apontou que Lula teria recebido um triplex no Guarujá (SP) como propina.
O entendimento da Suprema Corte foi que de a Vara de Curitiba não tinha competência para julgar o caso, além de apontar suspeição de Moro. O caso virou uma queda de braço política e é um dos que colocam um questionamento público sobre a lisura da investigação, que conta ainda com outros agentes.
Lula
Um dos principais afetados no núcleo político da Lava Jato, Lula retornou à cena política em 2022 e venceu a eleição presidencial, derrotando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Os dois se tratam como inimigos políticos, especialmente porque o entorno do petista enfatiza o discurso de que Lula foi retirado do confronto eleitoral contra Bolsonaro em 2018 por articulação de nomes da operação. Isso porque Moro, depois, virou ministro do governo Bolsonaro.
Momento em que Lula deixa a sede da superintendência da Polícia Federal, após ser solto (Foto/Divulgação)
Segundo o ministro Edson Fachin, relator do pedido de anulação de sentenças de Lula, as denúncias formuladas pelo Ministério Público Federal nas ações penais relativas aos casos do triplex do Guarujá, do sítio de Atibaia e do Instituto Lula (sede e doações) não tinham correlação com os desvios de recursos da Petrobras e, portanto, com a Operação Lava Jato. Dessa forma, a Suprema Corte concluiu que a competência para julgamento é da Justiça Federal do Distrito Federal.
Lula ficou preso por um ano e sete meses, entre abril de 2018 e novembro de 2019, por ordem assinada por Moro. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) negou o registro de candidatura dele em 2018 por conta da condenação na Lava Jato, enquanto o petista estava preso. Agora presidente e com foro privilegiado, as ações em instâncias inferiores contra Lula ficam travadas até o fim de seu mandato.
Eduardo Cunha
Ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha foi condenado duas vezes pela Justiça Federal do Paraná no âmbito da Lava Jato. A primeira, em março de 2017, quando recebeu a pena de 15 anos e quatro meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. A segunda, em 2020, também a 15 anos por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo recebimento de vantagens indevidas oriundas de contratos de navios-sonda da Petrobras.
Eduardo Cunha (Foto/Agência Brasil)
Em maio de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou essa segunda condenação e enviou o caso para a Justiça Eleitoral. Ele chegou a ser preso de forma preventiva em 2016. Em março de 2020, foi para a prisão domiciliar por conta da pandemia de Covid-19. Em maio de 2021, ele teve a última ordem de prisão domiciliar revogada.
Cunha teve o mandato cassado em maio de 2016 e tentou voltar como deputado federal nas eleições de 2022, mas não conseguiu votos suficientes. Sua filha, Dani Cunha, foi eleita para o mesmo cargo. Além da Lava Jato, em 2018, Eduardo Cunha foi condenado a 24 anos e 10 meses de prisão, em regime fechado, no âmbito do processo que apurou esquema de propina em contratos da Caixa Econômica Federal. A decisão foi assinada pela Justiça Federal em Brasília.
Delcídio do Amaral
Em novembro de 2015, Delcídio do Amaral, então senador e líder do governo Dilma Rousseff (PT), foi preso em meio à crise política no país por tentar obstruir as investigações da Lava Jato. De acordo com a Justiça, ele ofereceu R$ 50 mil mensais ao ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró para que o executivo não fechasse acordo de delação premiada sobre o esquema. A tentativa de acordo envolvia ainda que o nome de Delcídio não fosse citado por Cerveró, além de um plano de fuga
Ele chegou a ser denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) e foi o primeiro senador na história preso no exercício do mandato. No mesmo dia da prisão, cumprida por ordem do então ministro do STF Teori Zavascki, o Senado decidiu manter o político na prisão. Ao sair, 80 dias depois, ele voltou ao cargo e teve o mandato cassado com 74 votos favoráveis.
Em fevereiro deste ano, o ministro do STF Dias Toffoli anulou as provas do acordo de leniência da Novonor (antiga Odebrecht) que embasavam uma ação da Lava Jato contra Delcídio. O entendimento foi semelhante à anulação de ações contra Lula. Agora, Delcídio articula seu retorno ao cenário político. Filiado ao PRD, ele pretende disputar o cargo de prefeito de Corumbá (MS).
Geddel Vieira Lima
Geddel Vieira Lima (MDB) foi deputado federal por cinco anos, ministro nos governos de Lula e de Michel Temer (MDB) e vice-presidente da Caixa no governo de Dilma. Em 2017, a Polícia Federal (PF) encontrou R$ 51 milhões em espécie, em cédulas de real e de dólar, em um apartamento que seria usado como “bunker” por ele em Salvador (BA).
Bunker com malas de dinheiro ligadas a Geddel Vieira Lima (Foto/Divulgação)
A Procuradoria Geral da República (PGR) apontou que o dinheiro tinha como possíveis origens propinas da Odebrecht, além de repasses do operador financeiro Lúcio Funaro e desvios de políticos do MDB. Na ocasião, ele foi preso e, em 2019, condenado pela Segunda Turma do STF a 14 anos e dez meses de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa. Seu irmão, Lúcio Vieira Lima, foi condenado na mesma ação penal a 10 anos e seis meses de prisão.
A condenação por associação criminosa foi retirada dos dois em 2021 pela mesma Corte e, em 2022, Geddel conseguiu liberdade condicional. Por conta da condenação, ele está inelegível, mas articula composições nas eleições municipais deste ano na Bahia.
Sérgio Cabral
O ex-governador do Rio de Janeiro foi preso em novembro de 2016 no âmbito da Lava Jato e sofreu uma série de condenações em várias operações por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Ao todo, sua pena chegou a mais de 425 anos de prisão. Cabral deixou a prisão em dezembro de 2022 e, em fevereiro de 2023, foi liberado para prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica.
Neste mês de março, a defesa do ex-governador conseguiu anular três condenações que haviam sido sentenciadas no âmbito da Lava Jato. As decisões foram assinadas pela 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2). Os processos serão, agora, redistribuídos, mas significam uma redução imediata de 40 anos de prisão para Cabral.
Nestor Cerveró
Nestor Cerveró foi diretor da Área Internacional da Petrobras. Ele foi preso preventivamente em janeiro de 2015. Em novembro do mesmo ano, firmou acordo de delação premiada e assumiu que cobrou propina para benefício próprio e ao MDB. Ele teria recebido US$ 2,5 milhões de propina pela compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, e devolveu R$ 17 milhões aos cofres públicos.
Em maio de 2015, foi condenado a cinco anos de prisão em regime fechado por crime de lavagem de dinheiro. Em agosto do mesmo ano, sofreu outra condenação a 12 anos e 3 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Agora, sua defesa tenta anular condenações com base na operação Spoofing, que prendeu hackers pela invasão de celulares de autoridades ligadas à Lava Jato.
Sergio Moro
Um dos principais nomes do núcleo da força-tarefa, Sergio Moro foi juiz da Vara Federal de Curitiba, no Paraná. Responsável por uma série de condenações. Foi ele que assinou a sentença e a ordem de Lula, o que motivou a retirada do petista das eleições de 2018. Após esse pleito, pediu exoneração do cargo de juiz e virou ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PL), o principal opositor de Lula nas urnas e que venceu a eleição presidencial naquele ano.
Moro deixou o governo Bolsonaro em abril de 2020, em meio a acusações de que o então presidente agiu para interferir na Polícia Federal (PF) e promover um desmonte do combate à corrupção. Em 2022, Moro se reaproximou de Bolsonaro, retomando uma aliança política. O ex-juiz se filiou ao Podemos na intenção de ser candidato à Presidência da República. Na reta final dos registros de candidaturas, ele saiu do partido, assinou ficha no União Brasil e disputou o cargo de senador pelo Paraná.
O ex-juiz da Operação Lava Jato e sua mulher, a deputada federal Rosângela Moro (União-PR), também foram avisados e colocados sob proteção de forte escolta policial (Foto/Divulgação)
Na ocasião, ele venceu o pleito em um movimento de derrota ao então senador Álvaro Dias, que disputava o mesmo cargo e é conhecido como um dos construtores da vida política de Moro. Agora, o atual senador corre o risco de perder o mandato. Em 1º de abril, o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) dará início a um julgamento que pode cassá-lo.
O processo gira em torno da movimentação eleitoral para as eleições de 2022, especificamente com a filiação ao Podemos. A acusação aponta que houve "desvantagem ilícita" aos outros candidatos ao cargo de senador pelos "altos investimentos financeiros" feitos antes de Moro se candidatar ao Senado. As ações citam gastos de aproximadamente R$ 2 milhões com o evento de filiação de Moro ao Podemos e com a contratação de produção de vídeos e consultorias. Ele nega ter obtido vantagem. O Ministério Público Eleitoral (MPE) do Paraná defende a cassação do mandato dele.
Deltan Dallagnol
Outro nome que caminhou junto a Moro na migração de agentes da Lava Jato da Justiça para a política é Deltan Dallagnol. Ele foi procurador da República de 2003 a 2021 e coordenou a força-tarefa da operação. Em 2016, apresentou um powerpoint colocando Lula no centro de expressões como “enriquecimento ilícito”, “perpetuação criminosa no poder”, “maior beneficiado” e “mensalão”. Depois, foi condenado a indenizar o petista em R$ 75 mil pelo caso.
Também deixou o cargo e entrou na política declarando apoio a Bolsonaro. Em 2022, foi eleito deputado federal pelo Podemos do Paraná. Menos de quatro meses depois de ter assumido o cargo, em maio de 2023, teve o mandato cassado por unanimidade pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e perdeu vários recursos contra a decisão nos meses seguintes. Ele foi enquadrado na lei da Ficha Limpa por pedir exoneração do cargo de procurador com processos administrativos em aberto. Em setembro do ano passado, ele deixou o Podemos e se filiou ao Novo.
Enquanto coordenador da extinta Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol fez apresentação em Powerpoint em que colocava o ex-presidente Lula no centro de organização criminosa ( )
Rodrigo Janot
Ex-procurador-geral da República no auge da Lava Jato, Rodrigo Janot é outro entrou que entrou para a política, mas não se candidatou. Ele chegou a se filiar ao Podemos e almejou disputar vaga para ser deputado federal pelo Distrito Federal, mas não foi lançado pelo partido por conta de um julgamento pendente no Tribunal de Contas da União (TCU) que poderia deixá-lo inelegível.
Em agosto de 2022, a Segunda Câmara do TCU condenou Janot, Deltan e o ex-procurador-chefe do Ministério Público Federal (MPF) João Vicente Romão por dano ao erário. O entendimento foi de que eles violaram os princípios da economicidade e da impessoalidade na administração pública. Isso por conta de gastos considerados exorbitantes com diárias e passagens direcionadas à força-tarefa da Lava Jato. Em valores atualizados na época do julgamento, os prejuízos chegaram a R$ 2,83 milhões.
‘Japonês da Federal’
O agente da PF Newton Ishii ficou conhecido pelo apelido de “japonês da Federal” após escoltar alvos de prisões, especialmente políticos, durante a Lava Jato. Em junho de 2016, ele foi preso e, em julho do mesmo ano, condenado a quatro anos e dois meses de prisão por facilitar a entrada de uma quadrilha de contrabandistas na fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina em 2003.
Depois da prisão, o grupo Os Marcheiros chegou a mudar uma marchinha de Carnaval da época que abordava a popularidade de Ishii: "Ai meu Deus, se deu mal, foi preso em Curitiba o Japonês da Federal", dizia a versão atualizada. Ele conseguiu cumprir a pena no regime semiaberto e, na época, não perdeu o cargo na PF. Em setembro de 2016, foi visto escoltando presos, mas usando tornozeleira eletrônica.
Ishii se aposentou em fevereiro de 2018 e só em 2020 foi condenado à perda do cargo, além do pagamento de multa de R$ 200 mil. A sentença foi assinada pelo juiz Sérgio Luis Ruivo Marques, da 1ª Vara da Justiça Federal de Foz do Iguaçu (PR), que considerou a conduta do agente de "extrema gravidade, com afronta direta à dignidade da função pública por ele exercida". Nesse caso, ele poderia ter a aposentadoria cassada.
Fonte: O Tempo