Zema entra no jogo presidencial e tenta ocupar espaço deixado por Bolsonaro

Enviado especial a São Paulo. O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), será oficialmente lançado neste sábado (16/8) como pré-candidato à Presidência da República. O anúncio ocorrerá em São Paulo, durante um evento nacional do partido no formato de palestras e painéis, reunindo lideranças políticas, especialistas e apoiadores.

Zema tenta se posicionar como alternativa competitiva da direita para a disputa de 2026, num cenário em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está em prisão domiciliar e prestes a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro por tentativa de golpe de Estado após a derrota eleitoral de 2022.

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O desafio é duplo: transformar-se em figura nacionalmente conhecida e decidir como dialogar com o eleitorado bolsonarista – seja buscando apoio explícito de Bolsonaro ou apresentando-se como o candidato capaz de herdar votos de uma base insatisfeita com o desgaste do ex-presidente e de seus filhos diante da crise diplomática alimentada com os Estados Unidos. Nesse tabuleiro, Zema também precisa se diferenciar de outros nomes da direita que circulam sem a sombra direta de Bolsonaro, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

O evento neste sábado terá início às 10h e seguirá até as 18h, no estilo TED Talk, com discursos curtos e apresentações temáticas. A abertura será feita pelo presidente nacional do Novo, Eduardo Ribeiro, seguida de participações de parlamentares e aliados do partido. O ponto alto será às 11h30, com o discurso de Zema, que depois concederá entrevista coletiva. A programação inclui nomes como os deputados federais Adriana Ventura (SP), Marcel van Hattem (RS) e Ricardo Salles (SP); o senador Eduardo Girão; e deputado cassado Deltan Dallagnol (PR), discutindo temas como combate ao crime organizado, independência do Judiciário e reformas do Estado.

A narrativa escolhida pela equipe de Zema é a do “outsider” que veio do setor privado e fez carreira política a contragosto – linha que fez sucesso com o ex-governador de São Paulo e elegeu diversos candidatos em 2018 diante de um eleitorado descrente e insatisfeito com a composição política no Brasil. Ex-presidente do grupo varejista que leva seu sobrenome, criado pelo bisavô, Zema costuma enfatizar que passou “40 anos no setor privado” e ainda é subestimado por ser pouco conhecido – segundo ele, 60% do eleitorado não sabe quem ele é. O governador não pode se reeleger após dois mandatos seguidos e já deu declarações de que não tem interesse nem vocação para seguir o caminho comum a ex-governadores de se lançar na carreira legislativa como senador em Brasília.

A campanha de Romeu Zema aposta que não há espaço para uma terceira via em 2026 e, por isso, o discurso no evento deste sábado terá como alicerce o confronto direto com o presidente Lula e o PT. A meta é disputar abertamente o eleitorado bolsonarista e reafirmar-se como candidato de direita. Segundo a assessoria, Zema já conversou com Jair Bolsonaro e manifestou seu interesse em disputar a Presidência; o ex-presidente teria sinalizado positivamente, dizendo ver com bons olhos a presença de vários nomes no campo conservador. É nesse “racha” da base eleitoral que o governador mineiro pretende investir para crescer nacionalmente.

Para reforçar a imagem de não pertencimento à velha política e evitar o rótulo de político tradicional, os marqueteiros preparam um lançamento com linguagem e estética diferenciadas. Mesmo após seis anos no governo de Minas, Zema será apresentado como alguém que não incorporou hábitos da velha política. O discurso não será feito em púlpito ou palco afastado, mas próximo do público, em tom informal. Um vídeo animado contará a trajetória do governador e de sua família, destacando o lado empresário e bem-sucedido no setor privado como marca central da sua candidatura.

Acenos à direita mais “linha dura”

Na estratégia eleitoral, há espaço para acenos à direita mais dura, como a defesa da classificação de facções criminosas como organizações terroristas, medida adotada em El Salvador pelo presidente Nayib Bukele. Zema visitou o país em maio e elogiou a queda dos índices de violência. Na economia, quer se vender como ultraliberal, defendendo cortes de gastos e privatizações, ainda sem detalhar quais e em que escala.

Apesar da preparação cuidadosa para o lançamento, algumas declarações recentes mostraram risco na comunicação. Em junho, Zema comparou moradores de rua a carros estacionados irregularmente, declaração que repercutiu negativamente e foi explorada pela esquerda. Mais recentemente, defendeu a saída do Brasil do Brics em meio à crise com os Estados Unidos, mas não conseguiu explicar como justificaria a medida ao presidente chinês, Xi Jinping – país que responde por 28% das exportações brasileiras e 36,6% das de Minas Gerais.

A ausência de Bolsonaro como candidato redesenha o mapa da disputa à direita. Em conversa com o ex-presidente no fim de julho, Zema ouviu que seria “bom ter vários candidatos” no primeiro turno e que depois a direita se uniria no segundo. Ele aposta que nomes como Flávio, Eduardo e Michelle Bolsonaro não disputarão o Planalto e que o principal nome sinalizado pelo ex-presidente, Tarcísio de Freitas, buscaria a reeleição no governo paulista. Esse cenário “dos sonhos” abriria espaço para seu projeto político.

Se conseguirá converter presença de palco e narrativa de “forasteiro” em capital eleitoral nacional, o evento deste sábado será o primeiro teste. O passo seguinte será transformar seu nome, ainda associado a Minas Gerais, em uma marca competitiva para um eleitorado que, até aqui, permanece majoritariamente dividido entre lulistas e bolsonaristas.

Fonte: O Tempo.