“Problema enterrado é problema plantado”
(Provérbio)
A Constituição Federal impõe a obrigação de se preservar o Patrimônio Cultural do país, do qual, diga-se de passagem, os imóveis compõem apenas um dos diversos itens e não dos mais importantes.
Patrimônio Cultural é todo o conjunto de manifestações e realizações científicas, literárias, musicais, cinematográficas, fotográficas e de artes plásticas principalmente.
Mas a quem a Constituição impõe o dever de promover, proteger e conservar todo esse Patrimônio?
Ao Poder Público, consoante o disposto no parágrafo 1º de seu artigo 216, in verbis:
“O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o Patrimônio Cultural Brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”.
A disposição é clara, objetiva, precisa. Quem deve, pois, promover, proteger, preservar e conservar o Patrimônio Cultural Brasileiro (livros, filmes, fotos, partituras musicais, pinturas, esculturas, invenções e tutti quanti) é o Poder Público.
Para se certificar que essa obrigação é do Poder Público, além da extrema objetividade do comando constitucional contido no citado parágrafo único do artigo 216, ainda se tem como reforço a essa evidência a comparação com outras determinações ao Poder Público ocorrentes na Constituição Federal, a exemplo:
a) “O Estado promoverá [mesmo verbo do artigo 216, 1ª], na forma da lei, a defesa do consumidor” (art. 5º XXXII);
b) “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que provarem insuficiência de recursos” (art. 5º, LXXIV);
c) “O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença” (art. 5º, LXXV);
d) “Compete à União”, seguindo-se mais de vinte e cinco obrigações do Estado (art. 21);
e) “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”, elencando-se nada menos de doze específicas obrigações desses entes públicos (art. 23);
f) “Compete aos Municípios”, contendo nove tarefas, entre elas a de “promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local” (art. 30).
Ninguém, em sã consciência, considera que essas tarefas e outras sejam executadas por cidadãos contribuintes.
Por que, então, só a preservação de imóveis deveria ser transferida aos proprietários?
Nenhum dispositivo constitucional dispõe (e impõe) que sejam eles os responsáveis por essa preservação.
Em consequência, como demonstrado, compete única e exclusivamente ao Poder Público essa obrigação. Nessa tarefa, como, aliás, em todas as demais, pode contar com a colaboração (que não é obrigatória e muito menos impositiva) da comunidade (ou seja, de todos e não apenas de isolados proprietários de imóveis).
Contudo, muitos órgãos públicos, notadamente estaduais e municipais, têm transferido essa obrigação aos proprietários mediante legislações próprias, abusivas, confrangedoras e inconstitucionais.
E, ainda, de maneira sub-reptícia, de unilateral e sorrateiramente pretender “inventariar” imóveis, baixando sobre eles (por iniciativa de prefeitos) o guante impositivo e contristador de restrições, ônus, obrigações, multas milhardárias, absurdas e extorsivas, penalizações e criminalização (até isso!) totalmente arbitrárias e abusivas.
E tanto isso tem sido sorrateiro e sub-reptício, que em Uberaba, por exemplo, os proprietários de imóveis “ditos inventariados” e de seus entornos não foram a tempo e modo notificados desses pretensos atos administrativos.
É imprescindível, pois, que a Lei Municipal de Uberaba, de número 10.717/2008, seja adequada aos ditames constitucionais.
A resistência a esse desiderato vem agravando os problemas dela decorrentes, oprimindo os proprietários (justamente o que, por motivos ideológicos, alguns pretendem) e engessando absurdamente o centro urbano da cidade.
Guido Bilharinho é advogado em Uberaba e editor das revistas culturais
eletrônicas Primax (Arte e Cultura), Nexos (Estudos Regionais) e Silfo
(Autores Uberabenses)